A corrupção é um fenómeno que, emergindo nos recuados tempos do aparecimento do ser humano na Terra, atravessou, sob várias designações, a teia e a bruma dos tempos, reforçando a sua gravidade e danosidade na actualidade, nesta aldeia global em que vivemos infectando todas as sociedades, comunidades, estados e nações.
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A corrupção é inerente ao Poder, ao poder de decisão exercido por funcionário público, relativamente a quem pretende dele obter determinado acto ou resultado. Poder esse que se manifesta nas várias áreas da política, da administração pública, da técnica administrativa. Aqui, não se terá em conta a neocriminalização de corrupção no fenómeno desportivo, no sector privado, relativo aos negócios internacionais, nem do agente público estrangeiro com prejuízo do comércio internacional, acolhida no nosso sistema em resposta a compromissos internacionais assumidos por Portugal, nomeadamente, as convenções da União Europeia e do Conselho da Europa relativas à corrupção. Centrar-me-ei no cerne da criminalização da corrupção, no seu conceito mais ortodoxo, enquanto crime praticado no Estado e contra o Estado. O mercadejar com o cargo público.
A percepção da prática reiterada do crime de corrupção vertida em vários relatórios internacionais, de incidência mundial, abarcando múltiplos países, desde os mais desenvolvidos, emergentes ou menos desenvolvidos, revelam-nos que em Portugal essa percepção se tem agravado paulatinamente. A Comunicação Social, como é seu dever, divulga esses dados que são repercutidos em vários painéis televisivos de análise e crítica da situação, mas sem que se escalpelize o que se entende por "percepção". E tenho para mim que, como é óbvio e incontornável, existindo corrupção em Portugal nas diversas manifestações do exercício do Poder, naquela percepção se abarcam outras realidades criminológicas. É frequente apelidar-se de corrupção actos ou actividades que integram outro tipo de crimes, como o de tráfico de influência, abuso de confiança, burla, insolvência dolosa, branqueamento, prevaricação, peculato, fraude na obtenção de subsídio e desvio na utilização de subsídio, só para referir os mais determinantes. A confusão criada na população com a utilização indiscriminada de um conceito tão nebuloso de corrupção é, talvez, tão danosa, nas suas consequências para a Democracia quanto a existência de actuações corruptivas. Penso que por vezes, repetidas vezes, abordando-se o tema da corrupção se tem em mente um conceito sociológico que contempla, afinal, o significado vertido em qualquer dicionário da Língua Portuguesa. "Corromper" é, neste sentido, o acto ou efeito de corromper, sendo que corromper significa estragar, sujar, infectar, tornar podre, perverter, subornar. Não é esse o conceito jurídico assumido pelo Código Penal Português.
(continua no próximo texto)
A autora escreve segundo a antiga ortografia
Ex-diretora do DCIAP