Não é só a venda de passarinhas e sardões a pautar os tempos de crise. Os namorados já não os oferecem e, como tal, também não têm reciprocidade das meninas a quem piscam o olho ao jeito de carneiro mal morto. A querer nos desabafos de quem comercia na festa pagã de Santa Luzia, em Guimarães, a falta de clientela está para durar. E confirma, aliás, algo ontem revelado: o poder de compra dos portugueses tem sofrido sucessivos trambolhões, estando atirado agora para um pouco honroso antepenúltimo lugar da Zona Euro.
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A recessão acaba, pois, por vincar agruras de vida, as quais não são de todo disfarçadas a partir do momento em que os senhores da Europa fizeram de parturientes difíceis e, finalmente, estabeleceram os princípios gerais para a união bancária europeia. Traduzido por miúdos, há entendimento europeu para desligar o risco das dívidas soberanas do risco bancário e a decisão agora tomada aumentará o chamado capital reputacional da banca - o que deixa muita gente feliz mas não evita o essencial: a necessidade de reequilibrar contas pela via da redução do défice, individual ou coletivo. O que, é objetivo, em nada vai melhorar a vida dos portugueses.
Mesmo que se valorize esta convergência decisória na União Europeia, a qual não irá matizar os esforços e os suspiros dos cidadãos no seu dia a dia, a tendência global manter-se-á: a austeridade está implantada em nome das boas regras e cuja implicação determina o recuo dos níveis de consumo e de qualidade de vida dos cidadãos, cada vez dispondo de menores escapatórias à angústia e ao padecimento.
No caso específico português, augurar algo de bom tem o seu quê de imprudente nos tempos que passam. E o caso da crise das passarinhas e dos sardões é replicado para outros casos tão ou mais essenciais. Exemplo? A sardinha, pois, a sardinha! Angela Merkel não é a culpada, mas até o oceano Atlântico se lembrou de ser contra um dos grandes e populares géneros alimentícios dos portugueses. Friorento a mais, ainda por cima balizado por quotas de pesca rígidas - não se vá dar cabo da espécie - no Atlântico já não se reproduzem o desejável e não chegam a terra tantas, tão boas e tão baratas sardinhas como antigamente. As conserveiras queixam-se, o preço subiu 72,9% no último ano e o peixinho encarece, encarece....
O azar dos Távoras acompanha-nos mesmo.
Os mais velhos recordam-se de um tempo de miséria no qual pais e filhos, para enganar a fome, distribuíam entre si um naco de pão e uma sardinha, pelejando o "queres a cabeça ou o rabo?". A sardinha era a safa alimentar dos pobres e um destes dias, com o preço a subir, até ela deixará de ser marca de solidariedade.
É mesmo preciso afastar a sina má que nos dificulta a aquisição de passarinhas, sardões e sardinhas.