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Fui candidato à presidência da Câmara do Porto em setembro do ano passado. Continuo convicto da fiabilidade e mérito do programa que apresentei, no entanto, agora como então, encaro com naturalidade e fair play democrático os resultados daquele ato eleitoral. É assim que se comporta um democrata. Esse posicionamento ético tem-me impelido a manter um período de nojo prolongado no que à exteriorização sobre a atividade daquela autarquia diz respeito. Esse enquadramento ético, todavia, não me inibe de elogiar pontualmente medidas evidentemente positivas do Executivo da Invicta, ou de tecer uma ou outra crítica pontual - mas sempre contida e construtiva. Esses posicionamentos têm sido veiculados no programa semanal que, com o Júlio Magalhães, tenho protagonizado no Porto Canal.
Agora, quase um ano volvido, não vou alterar substantivamente a minha atitude, mas não posso nem devo defraudar, por hipocrisia mutista, a legítima expectativa de quem nestas páginas ou no citado canal segue as minhas opiniões. Assim, não posso passar ao lado de factos com epicentro na Invicta que, pela sua relevância, tenham marcado a atualidade adjacente.
Ora, na última semana, uma pretensa querela envolvendo um vereador do CDS - o número dois da lista vencedora - e o presidente da Câmara alimentou muitas páginas de jornais. Segundo o que veio a público, o diferendo teria tido como fator desencadeante uma assumida divergência sobre matérias tão díspares como o são a da vontade de uma parte da maioria querer avançar na cidade com uma sala de consumo de drogas leves ou a do mal-estar provocado entre alguns vereadores pelas críticas do novo diretor do Teatro Rivoli à política cultural do anterior Executivo.
Muitos preanunciaram uma retirada de pelouros ao vereador centrista. Outros foram mais longe, antevendo novas ruturas, suscetíveis de fazer cair a Câmara. Não dei nenhum crédito a esses cenários catastrofistas. Era óbvio que feita a catarse dos amuos tudo teria que se resolver. Existem demasiados interesses e responsabilidades em causa e, se no CDS ainda há quem mande, tal desiderato radical chocava com o pragmatismo de Rui Moreira.
Mas desdramatizada esta circunstância não podemos ser cegos para os vírus da fratura. Fratura não necessariamente má e muito menos imediata, mas que paira como uma fatalidade incontornável sobre o futuro do Governo municipal.
Passo a explicar-me. Ainda é muito cedo para fazer um juízo sobre Rui Moreira líder político. Contudo, a fase de equilíbrio entre a servidão aos desígnios de Rui Rio e a de imposição pessoal tem os dias contados. Por razões estruturais.
Porque Rui Moreira tem perfil de homem ativo e não se sente bem no colete de forças imobilista a que a herança do anterior Executivo o amarra. Porque essa postura esfíngica só interessa aos que o querem presente mas quieto, qual escudo protetor - leia-se Manuel Pizarro. Porque atos como o da aproximação ao Futebol Clube do Porto, o da escolha do presente responsável pelo Teatro Municipal ou o que poderá resultar na legítima usurpação ao Estado de alguns milhões de euros devidos pela cedência dos terrenos do aeroporto do Porto, poderão fazê-lo descolar definitivamente da sofrível, triste e cinzenta gestão de Rio.
Mas ainda mais estrutural que tudo isso é o facto de Moreira, com qualidades e defeitos, ser um cidadão normal. Que chora, ri, sai à noite, corta o cabelo a horas normais de expediente, vai aos restaurantes e instituições da cidade e, qual bizarria, até fala com os seus munícipes! Ou seja, Moreira tem tudo menos o perfil austero do frade laico. Daí dificilmente poder vir a ter, sob pena de se descaracterizar e falhar rotundamente, uma assunção de liderança hipocritamente monástica.
Laivos de descaracterização já resultaram no ato falhado de não conceder na altura própria a medalha da cidade a Pinto da Costa ou de sobrecondecorar Rio a propósito de tudo ou nada. Julgo que com o tempo essa atitude de temor reverencial cairá definitivamente. Na direta proporcionalidade do putativo falhanço da vontade de liderança do anterior líder portuense. Na direta proporcionalidade de assumir um projeto próprio inteligível.
Mas uma outra questão de fundo fará fermentar a divisão de médio/longo prazo. A que está a subjacente à aliança com Pizarro.
Porque a maioria sociológica que elegeu Rui Moreira é tudo menos socialista, porque o acordo e a bajulação tática de Pizarro conduzirá a um beco sem saída. Esse beco só seria permeável se Moreira fosse em 2017 o candidato do PS, o que me parece impensável. A alternativa passaria por o PS apoiar uma recandidatura do independente Rui Moreira, o que também seria impossível para um grande partido de poder.
Será pois a factualidade fria que lá para a frente fará entornar o cálice. Pizarro e o seu PS, depois de andar quatro anos a elogiar o presidente, não têm quaisquer condições para protagonizar uma alternativa. Tudo o mais é sonho ou maquiavelismo indecifrável.
É verdade que há quem teorize sobre a partida de Moreira para um Governo de António Costa, abrindo assim o terreno à entronização de Pizarro! Outra possibilidade seria a emigração de Pizarro para o Terreiro do Paço. Todavia, a experiência faz-me ter os pés assentes no chão e não especular com base em hipóteses ou em teorias da conspiração.
A verdade é que o segundo ano de mandato começará a testar em definitivo quanto vale o "político" Rui Moreira, o que em larga medida passará pela sua capacidade para romper com o passado. Um passado que não ficará para a história.
Como portuense bairrista e amante da minha cidade, desejo o maior dos sucessos ao atual presidente da Câmara, ou a qualquer outro que tenha a responsabilidade circunstancial da liderar, ou seja, torço para que este presidente demonstre a coragem e a capacidade necessárias ao seu sucesso pessoal.