O povo português usa e abusa da terceira pessoa do plural para apontar os culpados pelos males do mundo. Os malvados são sempre "eles". E quem são "eles"? Depende da matéria em causa, mas, geralmente, "eles" são os políticos e governantes, os ricos, as empresas que prestam serviços de primeira necessidade (luz, água, etc.) e organismos públicos que infernizam a vida do desprotegido indígena (as Finanças e a Segurança Social, por exemplo).
Corpo do artigo
O recurso à terceira pessoa do plural é também é uma declaração de impotência e de incapacidade para lutar contra as "forças do mal" que pairam bem acima do pobre cidadão. Quando alguém diz que a culpa é "deles", está a dizer: eu não tenho nada a ver com isto, não quero ter e tenho raiva de quem quer ter. Que este desabafo, que nos afasta da condução do nosso destino, possa ser proferido por um martirizado contribuinte, ou por um maltratado cidadão, pode perceber-se. Percebe-se menos que seja uma rotineira arma de arremesso contra fantasmas em conversas de café. O futuro não nos obedece, é certo, mas convém que o tentemos construir. Contra "eles", se for preciso.
Mas como podemos pedir aos nossos concidadãos mais empenho e menos desculpas quando o exemplo chega de cima? Na abertura da Universidade de Verão do PSD, o jovem Jorge Moreira da Silva, a quem dentro do partido se augura um risonho futuro, usou a mesma tática para avaliar o estado do país e o trabalho do Governo. Disse ele: as contas estão a derrapar, há um buraco gigante, atingir a meta do défice seria um milagre, mas, atenção, a culpa não é do Executivo, porque, naquilo que depende da capacidade de Passos Coelho e respetivos ministros, tudo corre às mil maravilhas.
Ora, se a culpa pela queda da economia, do consumo e dos impostos e pela subida desenfreada do desemprego, das falências, da fome e das dificuldades não é do Governo, é de quem, afinal? Os culpados só podem ser "eles" - os que fogem ao Fisco, os que desempregam, os que não consomem, os que roubam receitas ao Estado e incentivam a economia paralela, os que vivem à custa dos subsídios da Segurança Social e não querem trabalhar, os que, enfim, não contribuem para a produtividade como deviam.
Os jovens presentes na Universidade de Verão do PSD que escutaram o (menos) jovem Jorge a perorar desta incisiva forma tiveram sorte. No dia seguinte, calhou-lhes ouvir Adriano Moreira. O professor explicou-lhes que o povo, ainda sereno, não aguenta mais austeridade. A "fadiga tributária" (quer dizer: o rapa-o-tacho dos contribuintes) está no limite do aceitável. Esta é a verdade: o problema da receita não tem solução a curto prazo, pelo que cabe ao Governo descobrir onde cortar mais despesa. Se não o conseguir, a culpa será dele - do Governo. E não deles - dos contribuintes.