Os gordos deixarão de ser gordos, os feios deixarão de ser feios e os maus passarão a bonzinhos. O Mundo caminha para ser um lugar impoluto e casto onde todos viverão em absoluta harmonia dialética e sem desconfortos morais.
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Não existirá contraditório, nem contradição. Não haverá desgostos, desaforos nem desilusões.
Reescrever as estórias, amputar frases e expressões originais, deturpando assim o autor. Tudo em nome de um novo público ultrassensível e ultramoderno. Ao controlo da linguagem, seguir-se-á o dos comportamentos. Eles - alguém - propõem-se definir o que é ou não aceitável. Nas relações humanas, no modo como convivemos e interagimos. Estabelecerão, eles, as regras, os procedimentos e o modus vivendi.
Nos livros, no acesso à cultura, no teatro e na música. Interromperão peças quando não interpretadas por si ou pelos seus, reescreverão livros e contos infantis em nome da suavização da linguagem, tornando-a inclusiva e sensível, explicam-nos.
Nem as obras de Roal Dahl, autor de "Charlie e a fábrica de chocolate" e "Matilda", ou os livros de James Bond escaparam ilesos às tesouradas do politicamente correto, arma predileta do wokismo.
Depois dos livros e do teatro, o que se seguirá? A pintura de Paula Rego? A escultura de Cutileiro? O cinema de Manoel de Oliveira? Seguir-se-ão os símbolos nacionais, os monumentos evocativos da época dos Descobrimentos? As relações internacionais que Portugal foi construindo pelo Mundo? Eles escolherão. A nós restar-nos-á obedecer, acatar e não questionar. Aos que ousem duvidar, contraditar ou rebater, ser-lhes-á colado à pele o epíteto de intolerante, xenófobo, entre outros qualificativos da mesma índole. Não ousemos, portanto, levantar a voz ou soltar o pensamento contra a turba que se quer impor. O certo e o errado, o preto e o branco, o bom e o mau, são eles que o definem.
O pensamento único constrói-se assim. Desconsiderando opositores, desacreditando as suas ideias e menosprezando a diversidade de opinião.
Alterar livros e vandalizar quadros na tentativa de reescrever a história tem um único nome: censura ou, na sua versão eufemística, alinhar todas as criações pelos dítames do politicamente correto.
Os problemas desta visão moralista do Mundo são evidentes, mas o mais grave é ser um movimento repressivo e absolutamente intolerante com quem ousa divergir em pensamento.
*Jurista e gestor