A Cultura em burnout: Um apelo urgente pelos artistas
Nos últimos anos, a nossa cultura tem enfrentado desafios inéditos e profundos. Recentemente, a notícia de que artistas portugueses de renome, como Nuno Markl, Joaquim Monchique e Clara Pinto Correia, sofreram acidentes vasculares cerebrais (AVCs), trouxe à luz uma questão muitas vezes negligenciada: a pressão e o desgaste físico e emocional a que os profissionais do espectáculo estão sujeitos. Este fenómeno não é apenas individual, mas reflete um problema estrutural que afeta todo o setor artístico.
A pandemia covid-19 agravou ainda mais esta situação. Muitos artistas e técnicos ficaram sem trabalho, enfrentando meses de incerteza e dificuldades financeiras. Com a implementação da Rede de Teatros e Cine-Teatros Portugueses (RTCP), a programação de espectáculos com um ano de antecedência deixou inúmeros profissionais sem espectáculos, aumentando a pressão sobre aqueles que vivem da cultura. A instabilidade, a antecipação de compromissos e a sensibilidade natural dos artistas às oscilações do mercado tornam este sector particularmente vulnerável ao esgotamento físico e mental.
É urgente reconhecer que o desgaste no setor cultural não se limita ao âmbito económico: trata-se também de um problema de saúde pública e de bem-estar social. O apelo à criação de um observatório capaz de avaliar as reais dificuldades de sobrevivência no setor artístico é, portanto, legítimo e necessário. Um instrumento deste género permitiria identificar os problemas existentes, intervir de forma eficaz e oferecer apoio rápido e desburocratizado aos profissionais mais vulneráveis - algo a que a nova ministra da Cultura, Margarida Balseiro Lopes, poderá ser sensível.
A Cultura é um pilar essencial da nossa sociedade. Preservá-la não significa apenas financiar eventos ou estruturas, mas também proteger aqueles que a tornam viva e pulsante. Artistas, técnicos e demais profissionais do espectáculo necessitam de segurança, acompanhamento e condições de trabalho que lhes permitam desenvolver a sua criatividade sem colocar em risco a sua saúde.
Não podemos esperar que o desgaste chegue a extremos visíveis, como os AVCs que chocaram recentemente o país, sobretudo com a morte de Clara Pinto Correia. A intervenção preventiva é urgente: proteger a cultura é proteger quem a faz viver - e vice-versa.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia
