Corpo do artigo
1 Preparem-se para uma afirmação surpreendente: Maria Luís Albuquerque, essa espécie de dama de ferro da política portuguesa, tem razão. E tem razão, concretamente, quando diz que o perdão fiscal que o Governo tirou da cartola salvou as contas deste ano. São 500 milhões de euros (e outros 600 ao longo dos próximos anos) que retiram mais três décimas ao défice público de 2016 e garantem a António Costa a medalha de "tranquilidade e segurança" que apresentará a Bruxelas e ao ministro das Finanças alemão. O problema de Maria Luís Albuquerque, e já agora do PSD, é que a sua afirmação revela "fingimento de bondade de ideias ou de opiniões apreciáveis", a definição do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa para hipocrisia. A dama de ferro e, já agora, o PSD (ou, para ser mais correto, o PSD de Passos Coelho) são hipócritas porque fazem de conta que não recorreram ao mesmo artifício (em 2013, o perdão fiscal do Governo PSD/CDS rendeu 1253 milhões de euros), ou seja, e para usar o argumentário que agora dá jeito, "medidas extraordinárias e irrepetíveis que põem em causa a consolidação orçamental futura". Acresce que, ao perdão fiscal, beneficiando os infratores, o Governo da dama de ferro juntou o aumento brutal dos impostos, penalizando os cumpridores. Definitivamente, o problema do PSD não se resolve apenas com uma mudança de líder. Mas isso são outros 500.
2 A Esquerda supostamente irresponsável quer recuperar o direito a 25 dias de férias, mas a Esquerda supostamente responsável não está pelos ajustes. Sendo que a revisão do Código do Trabalho implicaria sempre uma negociação em sede de Concertação Social, ou seja, e de acordo com os novos conceitos, no ambiente de honradez típico de uma "feira de gado". Não sabemos o que pensa o ministro Vieira de Silva da iniciativa que junta BE e PCP (incluindo a sua ficção esverdeada), nem vamos saber, porque, como ele próprio rematou, o tema não estava no programa do PS, nem está no programa de Governo. Ponto final. Ou ponto de interrogação? Se o BE e o PCP aceitarem, sem mais, que o PS dite a sua vontade, será um ponto final. Mas um ponto final que exporá bloquistas e comunistas como partidos que se contentam com o "fingimento de bondade de ideias ou de opiniões apreciáveis" (ver ponto acima). Se BE e PCP não aceitarem, sem mais, a provável aliança socialista com a Direita nessa matéria, será um ponto de interrogação sobre o futuro da "geringonça". Dito de outra maneira: esgotado que está o acordo inicial, talvez seja a hora de os partidos de Esquerda que sustentam o Governo encontrarem um novo conjunto de objetivos comuns. O argumento de que é preciso travar o regresso da Direita supostamente trauliteira é bem capaz de já não chegar.
EDITOR-EXECUTIVO