A decência da Igreja Católica
A atitude da Igreja Católica portuguesa relativamente à investigação das queixas de abusos sexuais de menores perpetrados por elementos do clero não difere, no essencial, do que temos visto das suas congéneres um pouco por todo o Mundo.
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Primeiro o choque, depois a contemporização contextualizada, a que se segue a aceitação e a expiação da culpa. Terminando em sucessivos pedidos de perdão. De resto, não podia ser de outra forma, ainda que as leis canónicas sejam muitas vezes agitadas como escudo para travar impulsos apressados e justiceiros. Basta ver como em Portugal o debate sobre a inviolabilidade do segredo da confissão em casos de abuso sexual foi sacudido para debaixo do tapete da vergonha.
Ainda assim, investigar crimes ocorridos há dezenas de anos, alguns dos quais envolvendo figuras que já não estão entre nós, encerra uma óbvia complexidade, desde logo a associada a esse desfasamento temporal. Mas mais do que escavar fundo nessa herança de feridas, o que importa mesmo é transformar as palavras condoídas em atos preventivos e punitivos e em mecanismos de alerta. E isso implica desde logo não hesitar em prestar todos os esclarecimentos, abrindo os arquivos históricos de cada diocese, como é agora a vontade da Conferência Episcopal Portuguesa, numa demonstração de transparência que ganha particular relevo atendendo a que há 16 casos em investigação pelo Ministério Público (de um total de 290 testemunhos de abusos validados) que não prescreveram, o que levanta a possibilidade de alguns dos membros da Igreja que terão praticado os crimes estarem ainda no ativo.
A comissão independente que está a investigar estes casos, liderada por Pedro Strecht, queixava-se, há dias, da indisponibilidade de alguns bispos, incluindo D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal, em prestar informações, algo que, entretanto, o clérigo já disse que iria acontecer. Mas Pedro Strecht disse mais: que aquele grupo de trabalho já tinha sido capaz de identificar situações de ocultação ou encobrimento, incluindo por parte de bispos que continuam no ativo. Ora, a Igreja portuguesa não pode vacilar perante a gravidade desta denúncia. O passado sombrio de abusos não se reescreve. Mas ainda é possível recuperar a dignidade perdida da instituição. Haja decência.
*Diretor-adjunto