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"A democracia é a pior de todas as formas de governo exceptuando todas as outras que foram tentadas de tempos a tempos". Disse-o Churchill, num discurso na Câmara dos Comuns, já depois de ter perdido as eleições que se seguiram à II Guerra Mundial. Reza a lenda que soube da derrota quando estava a tomar um dos seus habituais banhos de imersão e se terá limitado a exclamar "é a democracia". O povo havia escolhido.
O que se disse da democracia, poder-se-á dizer dos partidos dentro da democracia: ainda não se encontrou melhor forma de organizar o regime. As tentativas que houve degeneraram, regra geral, em ditaduras ou em regimes populistas que de democráticos tinham, meramente, a fachada. Qualquer aprendiz de ciência política o sabe. Também por isso os partidos políticos democráticos têm uma responsabilidade acrescida em ir aprendendo com a história e estarem atentos aos sinais dos tempos. Ao contrário do que, por vezes, se faz crer esses fenómenos não democráticos não ocorreram por acaso. Quem estava no arco do poder, por inércia ou presunção, subestimou as tendências latentes. Os povos pagaram as consequências.
Os portugueses estão entre os que menos acreditam nos políticos e nas instituições democráticas. Na verdade, também não confiamos uns nos outros. A maledicência, se se sublima nos políticos, generaliza-se. Assim, se destrói o elemento de confiança sem o qual não é possível edificar, em democracia, soluções de progresso. Num contexto com estas características, espera-se dos partidos políticos que não deitem mais achas para a fogueira como, em meu entender, fez o PS de Matosinhos.
Guilherme Pinto, o actual presidente da Câmara, candidatou-se a líder distrital e perdeu. Nuno Oliveira, o seu vice, perdeu a concelhia. A facção vencedora do PS local retirou daí a conclusão: há que os substituir. O mandato estava a correr mal? A população andava descontente? Os resultados eram conseguidos à custa de endividamento excessivo? A pessoa indigitada como alternativa tem méritos inequívocos que melhorarão o estado de coisas para os matosinhenses? Que perguntas mais descabidas! Não é assim que funciona o PS. Os militantes escolhem - é a democracia! José Luís Carneiro dixit, não sei se no banho. O povo? Um mero detalhe. Guilherme Pinto não será o melhor presidente de Câmara do Mundo. Não obstante, tem tido um mandato sereno, de continuidade, atento às necessidades dos mais desfavorecidos, com um grau de aprovação elevado, não havendo sinais de contestação popular. A sua reeleição parecia certa, em particular numa conjuntura desfavorável aos partidos da coligação governamental. A sua substituição é um mero ajuste de contas. Traz ao de cima o pior do sectarismo e carreirismo partidário e é um péssimo sinal que o PS dá para a sociedade. Se é assim em assuntos internos do partido, como será se, e quando, os socialistas voltarem ao poder? Ou se está do lado certo ou o mérito em nada conta. O partido transformado numa parada de carneiros. A ética do servir substituída pelo oportunismo do servir-se. A desilusão é tanto maior quanto tal acontece com o beneplácito de um líder distrital jovem, que anunciava uma nova forma de fazer política. Vai-se a ver...
O PS não é caso único. Episódios semelhantes, embora sem irem ao limite de Matosinhos, têm ocorrido noutros partidos. Em quase todos, as lideranças são hoje mais jovens. O que, à primeira vista, poderia ser um trunfo acaba por ser um "handicap". Talvez falte a voz da experiência, não dos "barões" mas de alguns senadores que tragam ponderação ou simples bom senso. Quem sabe mais disto do que eu diz-me que sou ingénuo. Que os partidos não se reformam por dentro. Como a economia ou o Estado, precisam de um choque externo. Os movimentos de cidadãos que vão surgindo, mais ou menos formalizados, mais ou menos coincidentes com as eleições, podem desempenhar esse papel de despertadores para a urgência da mudança. São uma prova de vitalidade democrática. Parecendo nascer contra ou apesar dos partidos, podem-lhes ser muito úteis. Se cumprirem esse papel, a democracia agradece.
O autor escreve segundo a antiga ortografia