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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à tutela política da gestão da TAP enredou-se num inquérito policial cujos objectivos e interesses não são claros. Importante seria o apuramento das respectivas responsabilidades políticas e civis pelas vicissitudes que aquela empresa atravessou, desde a sua privatização à situação actual. Porém, o que nos dão as notícias é uma espécie de telenovela na qual o protagonista, o adjunto do ministro das Infra-Estruturas, tem um papel risível, com respostas incoerentes a perguntas que lhe são feitas. Se foi ou não "roubado" um computador do Ministério, se agrediu ou foi agredido, por quem, quando e como, se foi sequestrado, ameaçado pelo SIS... são episódios repetidos em todos os canais de TV até à exaustão. Em simultâneo, mas noutro registo, talvez com relevância para as funções cometidas ao SIS e ao Sistema de Informações da República Portuguesa, questiona-se na mesma CIP se existiu ou não irregularidade, abuso de poder, crime mais grave ou actuação politicamente censurável. Mas esta é outra questão que não tem conexão ou repercussões no objectivo gizado pela referida CIP. Com estas "trapalhadas", perdoem-me a expressão, o que acaba por ficar fragilizado e desacreditado é o nosso Estado de direito democrático. A estratégia de sistematicamente transmitir notícias alarmantes, sem base sólida, falsas ou descontextualizadas é típica da extrema-direita. Aproveita os direitos e a liberdade que a democracia lhe dá para a destruir e tomar o poder, escravizando-nos. Disse Javier Cercas, em entrevista à "Visão", "ao inventarmos uma coisa maravilhosa chamada democracia, temos conseguido atenuar a violência ao ponto de podermos dizer que vivemos na época menos violenta da História, mas ela persiste". Na minha opinião, os tempos que correm são de alerta permanente, porquanto à violência passada há que atentar à violência psíquica, social e económica, como novas formas de abalar os pilares da nossa liberdade. Os média e as redes sociais servem muitas vezes, encapotada ou descaradamente, consciente ou inconscientemente, os interesses opacos dos bandos extremistas cujas palavras de ordem são racismo, xenofobia, discriminação, homofobia e misoginia. Só estaremos em condições de vencer a sua hipocrisia e cupidez pelo poder totalitário, se tivermos uma intervenção pública de cidadania, uma voz activa consciente e responsável, se soubermos transmitir aos jovens, e não só, os princípios fundamentais da liberdade, tolerância, responsabilidade individual, igualdade, fraternidade e solidariedade colectivas. Há que investir na saúde, na escola pública e na cultura. Os políticos têm de rever e actualizar o seu código de conduta: honrar a "res publica", a transparência na acção política e lutar contra a corrupção a todos os níveis. Afinal, a democracia está nas nossas mãos e não podemos deixá-la escapar por entre os dedos da nossa inconsciência e letargia.
a autora escreve segundo a antiga ortografia
Ex-diretora do dciap