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As sociedades abertas e democráticas fundam-se e alimentam-se da participação livre e justa dos cidadãos na construção social. São frágeis, porque abertas à dissonância de opiniões e "à arte discursiva", pois é na argumentação, no discurso teórico (por regra mais do que no prático) que os enunciados políticos se constroem e demonstram. A democracia implica, por isso mesmo, uma ética exigente: o respeito pelas regras básicas do discurso dialógico, a saber, a racionalidade que deve governar a argumentação e o compromisso com a procura de verdade.
As fake news são tão velhas como a política. Manipular o discurso, influenciar, desvirtuar a realidade em proveito pessoal utilizando os meios de propaganda que cada época disponibiliza, é coisa clássica e interna às sociedades onde a comunicação é canal privilegiado. Hoje, nas sociedades da informação, as plataformas digitais com o consumo acéfalo de notícias online e os algoritmos computacionais onde websites obscuros operam, tornaram-se um imenso poder instalado, desvirtuando a função dos média e as promessas da net como espaço aberto de difusão do conhecimento. A propaganda computacional é um polvo monstruosos que corrói os alicerces do nosso modelo democrático radicado na comunicação aberta e livre.
O caso Facebook/Cambridge Analytica traz à tona o vazio instalado pela ausência de regulação no acesso e utilização de dados e a ignorância, a indiferença ou o ódio gratuito que a proliferação de informação sem filtro, sem educação do leitor, provoca e expande. Num complot sinistro, foi possível o acesso a mais de cinco mil "data points" (perfis psicográficos e sociográficos captados pelos registos de opinião, como os "likes"), depois usados como instrumento subliminar de propaganda. Exploram-se e conduzem-se emoções, fabricam-se gostos e ódios, segundo agendas políticas, financeiras ou económicas ocultas, automatizam-se comportamentos, manipulam-se grupos e massas.
Existem mudanças de fundo na forma como se constrói a democracia nas sociedades do conhecimento e estas novas condições transformam a sua expressão e qualidade. Não se trata de eliminar as redes sociais, mas de situa-las como redes de comunicação e não de informação, e tal implica educação em literacia dos novos média, debate público, consciencialização. A recente diretiva europeia sobre proteção de dados, a implementar a partir de maio, é um passo na regulação e prevenção. Um sinal de alerta, mas não basta.
* PROFESSORA COORDENADORA DO P. PORTO