Em 2016, na sequência dos escândalos de corrupção na FIFA, revelados pela justiça norte-americana, fui convidado para presidir a um novo comité independente de controlo e governação da FIFA. Uma das nossas responsabilidades era a de supervisionar as eleições.
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Logo na primeira eleição fomos confrontados com um processo eleitoral que discriminava contra as mulheres. Quando exigi ao presidente da comissão eleitoral que alterasse as regras respondeu-me que não o podia fazer pois já existiam acordos quanto a quem iria ser eleito... Foi o primeiro de muitos problemas, desde compra e controlo de votos a restrições à liberdade de expressão. A minha experiência, e dos meus colegas, foi breve. O suficiente, no entanto, para concluir que a cultura dominante no futebol não é democrática. Temo que seja o mesmo com os nossos clubes.
Jornais e televisões dos clubes não respeitam os princípios de autonomia editorial, isenção e imparcialidade a que estão sujeitos pela lei enquanto órgãos de Comunicação Social. São tratados como instrumentos de comunicação das respetivas direções. A televisão do Benfica não cobriu as eleições. No Sporting, uma capa recente do jornal do clube fazia campanha a favor de uma alteração estatutária proposta pela Direção. Quando eu e outros sócios solicitámos igual espaço informativo, nos órgãos de Comunicação Social do clube, para apresentar propostas alternativas foi um responsável da Direção do clube que respondeu a negar tal acesso.
Também a integridade das eleições é há muito contestada. O principal problema: o processo eleitoral é, de facto, controlado por quem se encontra no poder. A nova moda é o voto eletrónico ou mesmo o voto online. A ideia é atrativa, mas desastrosa na prática como se viu no Benfica esta semana. Mesmo supondo que é possível um sistema fiável, como confiar quando quem escolhe a empresa que o instala e certifica é um dos concorrentes às eleições? Mesmo onde as eleições são organizadas por uma entidade independente as avaliações internacionais têm sido negativas. É o caso da Estónia, único país democrático com tal sistema. Acresce que ao permitir o voto online nos clubes (fora do segredo de uma cabina) se vão multiplicar os casos de controlo de voto (imaginem os líderes das claques a pedirem os dados de registo aos seus membros para votarem por eles...). As recentes eleições do Benfica apenas expuseram a ponta do iceberg. São problemas graves e sistémicos. Exigem alguma forma de supervisão pública. Mas podemos esperar sentados enquanto os responsáveis públicos que têm essa responsabilidade se sentarem, por sua vez, em comissões de honra nessas mesmas eleições...
*Professor universitário