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Num equilíbrio demasiado instável, vários países encontram-se hoje numa perigosa deriva. Em Israel, o regresso dos reféns poderia ter simbolizado uma trégua e um auspicioso recomeço, mas o país permanece fragmentado e emocionalmente exausto, prisioneiro de um conflito que se autorreproduz. Na Europa, a sensação dominante é de implosão. Os predadores, na aceção de Giuliano da Empoli, estão por todo o lado.
É muito interessante a entrevista que Da Empoli dá esta semana ao semanário "L"Express". Nas suas palavras, vivemos numa era em que os agressores têm primazia. Nesse conjunto de pessoas, distinguem-se dois grupos: os políticos, como Donald Trump, que promovem ruturas radicais e encontram na ação (inesperada e, muitas vezes, caótica) a sua principal lei; e os donos do ecossistema tecnológico cujo poder de controlo parece ilimitado. Ambos têm interesse em enfraquecer contrapoderes basilares (instituições democráticas, média e universidades) que fazem periclitar seriamente regimes democráticos.
No entanto, não se pense que esta leitura do Mundo é puramente apocalíptica. Da Empoli defende que é possível encontrar alternativas dentro do Estado de direito, ainda que não haja "receitas milagrosas". E dá pistas. Tendo como referência a Europa, considera urgente criar aí uma geração de líderes, capaz de enfrentar este cenário maquiavélico com outras narrativas e símbolos que se rejuvenesçam. A promessa do milagre, afirma Da Empoli aos jornalistas da revista francesa, não está em soluções instantâneas, mas na coragem em quebrar regras obsoletas, reconstruir confiança e apresentar respostas à altura dos desafios desta hora política.
No entanto, olhando para a atualidade noticiosa, não colhemos aí razões para euforias. No Médio Oriente, a realidade é ainda mais complexa. O regresso de alguns reféns não provocou a união que se anunciou. Em Israel, a sociedade divide-se entre aqueles que desejam estabilidade e os que defendem a guerra. Na rua, memoriais em honra de soldados mortos lembram que as feridas abertas ainda não cicatrizaram. Neste contexto, as negociações de paz, mediadas por Trump, revelam-se agora demasiado frágeis. A trégua alcançada parece-nos hoje mais retórica do que estrutural. Neste ambiente demasiado instável, o presidente dos EUA vai misturando espetáculo e diplomacia, sublinhando a fragilidade das soluções fáceis. Sinal da sua incongruência é o comentário que deixou na sua rede social à capa da revista "Time" que tinha este título: "O seu triunfo". Trump declarou que o texto estaria "relativamente bom", mas a fotografia estava péssima: "apagaram-me o cabelo", lamentou.

