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Sabem qual é a matéria-prima principal do século XXI? Quiçá a mesma que sempre foi: a emoção humana.
Enquanto ser social, o ser humano requer interação. Assim é desde a Pré-História, e até mesmo o Mogli do "Livro da selva" requeria este contacto.
E, no entanto, Zygmunt Bauman escreveu na sua obra "Modernidade líquida" acerca da crescente fragilidade das relações humanas sob a lógica do mercado livre, que se culmina em perspetivas individualistas que as tornam descartáveis.
Torna-se difícil contradizê-lo, quando a experiência de encontrar um parceiro se torna num negócio lucrativo, na forma de aplicações que eliminam a cada dia o orgânico encontro entre amigos numa esplanada. Se antes a vida era vivida no terreno, hoje é vivida através de telas, que expandem o nosso mundo e alimentam a insatisfação humana. Tudo é muito individualizado, nomeadamente o conteúdo que nos é puxado. E consoante o que vemos, desligamo-nos uns dos outros e esquecemos uma parte integral da nossa espécie.
É no seguimento da fragilidade das relações humanas que surge a criação de conteúdo, que reutiliza ideologia de género antiquada, e a comercializa na forma de um estilo de vida a atingir: cuidar do lar, de um familiar doente ou de crianças vulneráveis recai sobre a mulher; trabalhar e pagar contas recai sobre o homem.
Apenas uma destas formas é devidamente contabilizada nas estatísticas e no PIB, e sabemos qual é. É factual, também, que sem este cuidado, a sociedade se desmorona como um castelo de cartas. Afinal, este está presente na fundação do sistema de saúde e de educação.
E, a meu ver, isto representa uma grande falha na prática económica. É fulcral reconhecer que a economia é uma ciência social e que, ainda que deva basear-se em dados empíricos, também deve considerar o caráter humano da sua atividade. Fazer o contrário é ignorar o verdadeiro propósito da economia.
E podem até dizer: mas a ciência económica deve encarregar-se de gerir recursos para saciar as necessidades o mais eficientemente possível. E eu coloco uma questão: de que modo não remunerar devidamente o cuidado resulta numa gestão eficiente de recursos? Pessoalmente, digo com segurança: de modo algum.
Não valorizar o cuidado e apoiar cuidadores informais perpetua desigualdades sociais e económicas. Então, deveríamos focar-nos em casos como o Japão, e ver o cuidado pelo que é: preparação do futuro, dignidade do passado, fé no trabalho presente; versus o que lhe chamamos: uma mera vocação.