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No “relatório-síntese” do “Sínodo sobre a sinodalidade” podemos ler coisas como combater o racismo e a xenofobia, nomeadamente ter de identificar-se “os sistemas que criam ou mantêm a injustiça racial dentro da Igreja”, “uma Igreja mais próxima das pessoas, menos burocrática e mais relacional” ou um apelo claríssimo à revisão histórica, associando a acção missionária da Igreja secular “à colonização e até ao genocídio”. Por seu lado, o Papa, na homilia da missa que encerrou a primeira “temporada” do Sínodo, não desiludiu os circunstantes. Priorizou a atenção aos “estrangeiros de todo o tempo e lugar, a todos aqueles que são oprimidos e explorados”, e convidou a não “controlar Deus”, encerrando “o Seu amor nos nossos esquemas”. Criticou a idolatria mundana e as idolatrias “disfarçadas de espiritualidade, como a minha espiritualidade, as minhas ideias religiosas, a minha habilidade pastoral”, numa clara alusão aos alegados “conservadores” e “tradicionalistas”. Agradeceu a “escuta e o diálogo”, pediu adoração e serviço. Na condição de católico, vejo este Sínodo 2023-2024 como uma espécie de desforra da teologia da libertação. Concedendo, todavia, que algumas observações do Papa se aplicam a ele próprio, o que é natural neste ambiente de “autocrítica” criado em torno daquelas mesas redondas. Mas as coisas são o que são. O centro de gravidade da teologia da libertação foi sempre a América Latina. Visa - sigo a “Instructio”, de 1984, da Congregação para a Doutrina da Fé sobre “alguns aspectos da teologia da libertação” - uma “nova hermenêutica da fé cristã”, mudando “todas as formas de vida eclesial: a constituição eclesiástica, a liturgia, a catequese, as opções morais”. Procura criar “uma nova universalidade” - agora sinodalidade -, “pela qual as separações clássicas entre as igrejas devem perder a sua importância”. Dilui a “realidade global do cristianismo num esquema de práxis sociopolítica de libertação”, manipulando decisivamente os conceitos de “povo, comunidade, experiência, história”. É a comunidade/sinodalidade que passa a ser a “instância fundamental”: “a vivência e as experiências da comunidade determinam a compreensão e a interpretação da Escritura”. O acontecimento Jesus, o escândalo da Cruz, a superação do mundo pelo Ressuscitado e a fé são aspectos secundarizados, mesmo que a pneumatologia, isto é, a acção do Espírito Santo, seja sempre chamada à colação, como efectivamente foi no Auditório Paulo VI do Vaticano. Onde, afinal, se misturou quase nenhuma cristologia, muita política, muita sociologia e muita economia. A condição católica não resulta de uma qualquer “engenharia de almas”. É o caminho, a salvação e a vida. O que não é pouco.