Estados Unidos, Rússia, China, Turquia, Arábia Saudita, Brasil, Itália, Polónia... em geografias diversas aí estão indivíduos duros a liderar os respetivos países de forma autoritária.
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Na edição desta semana, a revista "Courrier International" coloca-os em capa com este título: o mundo dos brutos. Todos homens. Todos sem as qualidades que o mundo ocidental se habituou a ver na liderança dos países que aprecia. Convém lembrar que eles não apareceram por acaso.
Coloquemos de lado os casos em que se toma de assalto o poder ou há uma espécie de passagem hereditária de testemunho e concentremo-nos em países que confiam nos cidadãos a escolha daqueles que os governam. Chegado o momento da contagem de votos, parte de nós petrifica diante de resultados que ditam lideranças autoritárias, xenófobas, misóginas, racistas. Nestas alturas, não adianta procurar nas redes sociais ou na fraqueza de um povo as causas para certos homens avançarem para o comando dos destinos de um país. A explicação para essa soberania é mais profunda e estará na resposta a estas perguntas: em quem podemos confiar em momentos de angústia profunda? Quem pode restabelecer a confiança no futuro do país em tempos incertos? Quem permite que não nos inquietemos? É por aqui que deveremos procurar perceber, por exemplo, porque americanos, brasileiros ou italianos fizeram determinadas escolhas políticas.
Na próxima terça-feira, há eleições intercalares nos Estados Unidos. A escolha dos representantes do Senado e da Câmara dos Representantes não será propriamente excitante para os média internacionais. Daí a nossa desatenção. No entanto, Donald Trump está preocupado. No mês passado, em Southaven, no Mississippi, disse isto num comício: "Não estou no boletim, mas estou...". Frank Bruni, conhecido colunista do jornal "New York Times", já escreveu que estas "midterms (eleições a meio do mandato) não são apenas um referendo sobre o rumo que deverá tomar o país; são, acima de tudo, um teste aos limites de decência". O presidente americano desvalorizará, decerto, as considerações do articulista, mas sabe que este escrutínio é uma espécie de referendo à sua governação. E já tomou providências, elegendo para tema central do discurso dos republicanos o ataque à imigração, tópico de grande recetividade entre os eleitores do partido. Na edição de ontem, a revista francesa "L"OBS" publicava uma reportagem feita nos EUA, afirmando que das eleições presidenciais de 2016 resultaram duas Américas que continuam a digladiar-se. "A cólera domina o discurso político", escreve o correspondente francês nos EUA Philippe Boulet-Gercourt.
Por estes dias, o Brasil vive também essa divisão entre cidadãos que escolheram estar em lados radicalmente opostos, difíceis de reconciliar quando no poder se instala um homem de discurso autoritário e com opções políticas déspotas. É assim que Jair Bolsonaro tem sido percecionado pela quase metade de brasileiros que não votou em si e por um olhar exterior que o encara como um absolutista.
Poderíamos ver neste tempo demasiado líquido, onde parece triunfar a lei do mais forte e mais radical, a vingança de Hobbes sobre Kant. Assim é em certas geografias onde não há mecanismos que modelem excessos. No entanto, em países onde o voto do povo continua a ser quem mais ordena e o próprio regime democrático conserva instituições de monitorização do poder político, sobrevive ainda a esperança de que o poder não se exerce a partir da vontade de apenas um homem. Todavia, face a tantos casos de violação dos direitos humanos, o Mundo parece ter entrado numa irreversível desregulamentação em que os homens autoritários estão a tomar de assalto o poder. Um pouco por toda a parte.
Professora associada com agregação da Universidade do Minho