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Trump deu mais um passo no caminho de destruição da democracia na América, ao tentar partidarizar as forças armadas e transformá-las num instrumento de repressão interna da oposição política. Pelo caminho, enalteceu o que de pior associamos à masculinidade agressiva e deitou borda fora décadas de promoção da igualdade nas forças armadas. Para distrair, não faltaram as declarações ridículas defendendo os barcos grandes com grandes canhões em vez dos barcos furtivos com mísseis que mal se veem, ou os comentários depreciativos sobre os generais e almirantes gordos.
A linguagem ordinária, arruaceira e grosseira utilizada por Trump não é novidade. Faz parte da sua estratégia de polarização. Porém, quando essa linguagem é usada num discurso dirigido às chefias militares, o risco que ela comporta é muito maior e mais grave. O apelo à obediência política dos militares, em detrimento da obediência à Constituição, lembra o gesto de Hitler ao exigir fidelidade pessoal aos seus generais. Há, ainda, uma diferença entre convidar a sair quem, entre as altas chefias militares, não concorda com as orientações de Trump e a demissão dos críticos feita por Hitler, mas o efeito pode vir a ser muito parecido: afastar os que resistem à autocracia.
Este episódio insere-se num padrão já conhecido de transformação da democracia americana num regime despótico: ataques à imprensa, vingança contra adversários políticos, controlo das instituições através de cortes orçamentais e de demissões, desrespeito pelas mulheres, perseguição a imigrantes. Contudo, o novo passo dado por Trump representa uma mudança de escala. A tentativa de captura das forças armadas, transformando-as num instrumento de guerra contra os chamados inimigos internos e, em particular, contra os estados democratas, só encontra paralelo próximo nas ditaduras militares sul-americanas de má memória.
A democracia americana enfrenta uma ameaça interna sem precedentes. Trump não esconde o seu projeto: uma América onde o poder se concentra numa figura que despreza os valores constitucionais e a utilização do conflito como método de governo. A história já mostrou que a indiferença perante os primeiros sinais de autoritarismo pode ser fatal. É importante que as instituições, a sociedade civil e os próprios militares reafirmem o seu compromisso com a Constituição e contrariem a destruição da democracia na América. Para bem dos americanos, desde logo. Mas, também, para bem da democracia e das liberdades no Mundo. Pena a Europa não ajudar.