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"É difícil dizer Europa sem conotar Atenas-Jerusalém-Roma-Bizâncio" (J. Derrida: 1997). Marcelo Rebelo de Sousa, no Cairo, há pouco mais de uma semana, numa conferência na Universidade Al-Azhar disse o mesmo, estendendo os elos com que a Europa se faz, ao Islão, à América, à África e à Ásia.
E falou sobre a capital importância de se explicar e compreender a história da Humanidade: explicar que a identidade se gera na mistura de várias identidades (culturas, raças, credos), num processo nem sempre fácil, pleno de tensões e conflitos. Mas não chega explicar. É preciso compreender: analisar crítica e profundamente o que somos, os erros e vitórias que nos construíram, e fazê-lo à luz mais pura da esperança do que queremos ser.
Hoje, em plena idade da globalização, escasseia, paradoxalmente, uma visão planetária, produtora de sentido(s), capaz de devolver aos indivíduos e às sociedades uma ideia de futuro, de sentido de existência, que ultrapasse a mera sublimação compensatória pelo consumo desenfreado de bens. Uma ideia de paz, de comunidade, de responsabilidade. Uma ideia que não almeje ser única, uma verdade universal acabada, mas antes uma reflexão aberta e contínua sobre nós e com/pelos outros. Uma ideia que acolha a diferença como sinónimo de liberdade.
Talvez, como diz Eugénio Trías, "se abrirmos o espírito e o olhar ao mundo, à complexidade do mundo, com todas as suas marcadas diferenças de cultura e civilização, seja possível encontrarmos o fio de Ariadne" (1997). Sem esse fio condutor, compreensivo e integrador, o mundo é um labirinto indecifrável, uma Torre de Babel onde várias línguas se sobrepõem sem permitir comunicar.
A intolerância, o dogmatismo, são os inimigos de sempre do conhecimento e da paz. Foi contra o desconhecimento, o fundamentalismo de qualquer cor, o desrespeito pela diferença que Marcelo Rebelo de Sousa centrou o seu discurso - "não se deve poder viver em sociedade recusando o diálogo com os que não partilham as nossas convicções. Ou pior, perseguindo-os, atacando-os, eliminando-os. Que Deus poderia exigir tais intolerâncias a não ser negando a sua própria natureza?"
"O nacionalismo é o veneno da história do nosso presente (...). É duvidoso que o animal humano sobreviva se não aprender a dispensar fronteiras e passaportes, se não for capaz de compreender que todos somos hóspedes uns dos outros, do mesmo modo que o somos desta terra contaminada e cheia de cicatrizes" (G. Steiner: 2010).
PROFESSORA COORDENADORA DO P.PORTO