À Direita, nada de novo!
Não é justo condenar o povo brasileiro nem menorizar as suas instituições públicas pelos tristes desenvolvimentos que vimos presenciando.
Corpo do artigo
As democracias constitucionais não foram concebidas como modelos de virtude. São apenas um instrumento, o mais decente inventado até hoje, para enfrentar esse paradoxo odioso que divide a sociedade humana entre governantes e governados, entre os que mandam e os que se resignam a obedecer. Se a democracia fosse intrinsecamente bondosa, Hitler nunca teria sido nomeado chanceler da Alemanha, sob a Constituição de Weimar. O Parlamento da Dinamarca não teria votado a apropriação dos bens de imigrantes clandestinos. Os estados já teriam renunciado, há muito, ao uso da força, exceto em legítima defesa, conforme o direito internacional. Donald Trump não estaria a disputar eleições primárias no Partido Republicano para a presidência dos Estados Unidos. Nem o processo de destituição de Dilma Rousseff teria sido aprovado pela Câmara dos Deputados do Brasil.
É certo que poucos países se permitiriam o luxo de exibir "urbi et orbi", em direto, e durante cinco longas horas, aquele espetáculo degradante da votação do "impeachment" da presidenta. Era bem melhor que o voto fosse discretamente depositado em urna fechada, sem insultos nem proclamações patéticas mas, nesse caso, o resultado poderia ter sido outro... e os projetos dos promotores da destituição poderiam sair comprometidos. A crise dos sistemas políticos democráticos não é uma singularidade brasileira. Alastrou, como uma epidemia, a todos os continentes. Contudo, a solução estará sempre nas mãos dos "representantes" e das alternativas que forem capazes de propor, da opinião pública que os consiga influenciar ou, em última análise, substituir por outros mais sensíveis aos agravos e às expectativas dos "representados".
O Brasil foi devastado por uma operação judicial de combate à corrupção que levou à prisão ou sentou no banco dos réus gestores e empresários de poderosos grupos económicos, dirigentes das mais importantes forças políticas e titulares dos mais altos cargos do Estado. Paradoxalmente, estes são os mesmos que promoveram, no domingo, a abertura do processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff sobre quem apenas impende uma suspeita de não cumprimento de regras orçamentais de que não resultou, aliás, qualquer benefício próprio. Não foi por causa da alegada prática de uma banal irregularidade que a presidenta foi acusada. A acusação da prática de um "crime de responsabilidade" é um mero expediente para provocar a queda do Governo e rejeitar toda a herança de conquistas económicas, sociais e cívicas, alcançadas pelos sucessivos governos do Partido dos Trabalhadores, com Dilma e com Lula da Silva. O pânico apoderou-se da velha oligarquia brasileira que enfrenta agora a denúncia dos habituais esquemas de corrupção a que deve a prosperidade que alcançou e que pressente na recente ascensão social de largas camadas da população outrora condenadas à pobreza, o fim dos privilégios que gostaria de perpetuar.
2. Também em Portugal - diga-se para quem, porventura, ainda não o tivesse percebido! - a Direita, sem a menor hesitação nem vestígio de arrependimento, permanece fiel a tudo quanto fez à frente do Governo do país, entre 2011 e 2015. Nem mesmo a circunstância de alguns dias depois, o Papa Francisco ter visitado a Grécia para denunciar a falta de humanidade de uma Europa que foi o berço dos direitos humanos, nem isso impediu a nossa Direita revanchista de manifestar a sua indignação contra a visita de Estado do primeiro-ministro português a Atenas, num gesto análogo de expressão de solidariedade para com os refugiados e para com aqueles que os acolhem. No Brasil e na Europa, os mesmos fantasmas inspiram idêntica reação.