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Que a saúde e a doença dependem muito do rendimento já se sabia. Agora há provas de que variam também consoante o código postal. Uma dupla ameaça que penaliza sobretudo os mais vulneráveis num país cada vez mais desigual.
As evidencias são claras: as pessoas de condição económica mais frágil tendem a sofrer de mais doenças, a desenvolvê-las mais cedo (há estudos que referem dez anos antes dos mais ricos) e até a ter uma esperança de vida mais curta. Porque não têm informação que lhes permita fazer escolhas mais saudáveis (a tal literacia para a saúde de que tanto se fala) e sobretudo também porque não dispõem de meios para fazerem uma alimentação equilibrada e cuidarem-se como deveriam. Uma situação que se agravou com a pandemia: Portugal registou, no ano passado, mais episódios de doença e pior acesso aos cuidados de saúde para os mais pobres, segundo o relatório Acesso a cuidados de saúde, 2022, revelado este mês.
À pobreza como fator de risco soma-se agora outro: a morada. Os indicadores de saúde apresentam importantes oscilações distritais, segundo o primeiro Atlas de Variação em Saúde no SNS português, cujas conclusões são hoje formalmente divulgadas. Estas diferenças regionais devem-se a vários fatores, com destaque para as desigualdades no acesso a serviços de saúde e os recursos existentes em cada zona. Pela primeira vez, há dados concretos sobre diversas patologias e a variação geográfica associada. Que surpreendem até o experiente cirurgião José Fragata: "É impensável que os resultados da saúde possam variar três, quatro vezes conforme a região de um país que tem 89 mil quadrados de área de superfície".
Pouco depois de tomar posse como diretor-executivo do Serviço Nacional de Saúde, em novembro passado, Fernando Araújo declarou: “Queremos um SNS com mais equidade, não apenas do ponto de vista geográfico, género ou idade, mas também da condição económica. Os mais pobres continuam a ter mais doença e a morrer mais cedo, um quadro que se agravou com a covid-19″”. Todavia, num país em que há cada vez mais pessoas sem médico de família - são agora mais de 1,6 milhões (um aumento de 29% num ano) -, acumulam-se as evidências de que as iniquidades na saúde, longe de serem cerceadas, estão a crescer, perante a passividade de um Governo ocupado com casos e casinhos.
*Editora-executiva-adjunta