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As cobaias são animaizinhos estimáveis, muito fofinhos e de grande utilidade em área determinante para o progresso: a da investigação científica. As características das cobaias são particularmente adaptáveis ao experimentalismo dos laboratórios e delas muito tem beneficiado a Humanidade desde o século XVII. São, pois, justíssimas todas as homenagens ao simpático mamífero, incluindo as realizadas a título póstumo sempre e quando um teste corre mal e manda as coitadinhas das cobaias desta para melhor. É no entanto necessário ter coração e capacidade para choramingar os falhanços....
A utilidade das cobaias (virtuosa, mas involuntária) tem o condão da atratividade da experimentação no próprio ser humano. E não falta quem use e abuse do Poder imaginando-se de bata branca entre tubos de ensaio....
Flagrante laboratório da atualidade: Portugal. Consórcio concessionário: UE, BCE e FMI. Investigador assumido: o Governo. Mamíferos aparentados às cobaias: os portugueses.
Exagero? Não.
Os testes estão em curso e os cadinhos experimentalistas são variados. Feito o diagnóstico - incapacidade de o país gerar suficiente riqueza para contrabalançar os gastos inerentes ao nível de vida vigente - intensifica-se a busca de soluções e, inclusive, a dosagem de medicação aplicada. Claro: correndo sérios riscos de deterioração, há um estrebuchar permanente dos testados. Os remédios em aplicação são cada vez mais potentes e geram maior desatino - leia-se estado de delírio.
Só um tolo não perceberia a necessidade de proceder a cambiantes no exercício comparativo entre as verdadeiras cobaias e os portugueses. O consórcio proprietário e o investigador assumido não são tolos; percebem causas e efeitos reagentes da racionalidade. O bastante para usarem métodos de experimentação também de índole psicológica.
A revelação há pouco mais de 48 horas de documento-proposta do FMI para uma "refundação" do Estado português é eloquente. Ao contrário do que se fez crer, não é apenas um estudo técnico; aponta opções políticas para um corte de quatro mil milhões de euros na despesa do Estado. A divulgação dos vários cenários - todos eles tão draconianos como dramáticos nos cortes - não é angelical. Visa preparar os portugueses (as cobaias) para o pior, antes de um recuo cerimonioso mas igualmente doloroso.
Assim como assim, espanta como o investigador é um pau--mandado, denotando incompetência para decidir. Assim como assim, o consórcio concessionário quer é resultados. Mesmo que maus, são úteis. Como acontece às verdadeiras cobaias mortas em laboratório.