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A economia portuguesa está como os guarda-chuvas que compramos à saída do metro ou nas lojas dos chineses: desenrascam, mas não resistem a um forte sopro de vento. Ontem, as ruas do Porto estavam pejadas de guarda-chuvas escavacados pela ventania. Ontem e anteontem, a propósito dos números do desemprego, o país dilacerou-se num debate precoce e sem sentido: está já Portugal a concretizar o "milagre económico" que o ministro da Economia há tempos vislumbrou na bola de cristal que tem no gabinete?
Creio que esta discussão tem mais custos do que ganhos para o próprio Governo. Mesmo que os seus responsáveis máximos sublinhem com todo o cuidado os dados que permitem ver uma luzinha ao fundo do túnel, ao mesmo tempo que a Oposição apenas vê um pirilampo a iluminar vagamente a escuridão, a verdade é que a bota está longe de bater com a perdigota.
Não se trata aqui de desvalorizar a estatística: os brutais esforços dos portugueses, dos que viram o seu rendimento cair a pique e dos que, nas suas micro, pequenas, médias ou grandes empresas não desistiram haveriam de dar em algo. Trata--se, isso sim, de reconhecer duas coisas evidentes: por um lado, é ainda muito cedo para decretar vitória e, por outro lado, o discurso do sucesso irrita profundamente os portugueses que sofrem como nunca no seu quotidiano. Diria mesmo que provoca neles uma indignação entendível e não controlável. Daí o perigo que resulta para o Governo sempre que ouvirmos hossanas ao que está feito.
Veremos com clareza o resultado deste distanciamento nas eleições europeias de maio: sem alternativa consistente à Esquerda e com vontade de penalizar o Governo, é bem possível que a abstenção dispare para níveis historicamente elevados. Não se tratará propriamente de alheamento de quem vota; tratar--se-á de marcar uma posição com o ferro do desespero.
Os inquéritos feitos pelas rádios nas suas manhãs informativas valem o que valem. Ontem, o "Fórum" da TSF perguntou aos ouvintes se sentiam alguma melhoria nas suas vidas, fruto do retrocesso do desemprego e da apregoada criação de 30 mil empregos líquidos. Resultado: 78% responderam não. Cá está, os filhos e/ou os familiares emigrados, os bolsos vazios, os filhos sem emprego ou com contratos precários, a desesperança, enfim...
Não há guarda-chuva que resista a esta tempestade. E o que falta de caminho não desobriga ninguém de sair de casa sem proteção para enfrentar as bátegas. Por exemplo: se a saída da troika não entusiasmar os mercados, essas informes entidades que parece controlarem os elementos, é certo e sabido que vamos ter muito, mas muito mau tempo. Abriguemo-nos, portanto. E com guarda-chuvas de jeito.