O meu pai fez-se alfaite a custo. Homem transmontano na casa do 70 e oriundo de família grande e humilde sabe bem o que significa a palavra "custo". Significa fome (não é estória a história de que uma sardinha tinha que alimentar quatro bocas). Significa trabalho duro e mal pago (não é estória a história de que a longas horas de labuta correspondia um remuneração minúscula e desacompanhada do do pagamento, pelo patrão, dos descontos para a Segurança Social). Significa privação. Significa falta de estudos. Significa, enfim, uma vida carregada de tons negros, apenas aclarados pela esperança e pela vontade indómita de mudar as coisas que a tenra idade ajuda a empurrar.
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O meu pai fez a antiga quarta classe a custo. Era preciso aprender a cortar e a coser tecido na velha máquina de costura empurrada pela força que o pé faz no pedal. Para poder fazer o exame final teve que pedir emprestados uns socos. Quer dizer: nos restantes dias, ía descalço para a escola (ele e a maioria dos colegas), ou, quando muito, aconchegava os pés numas alpercatas que lhe chegavam bastante estragadas do irmão mais velho. Lembrei-me deste episódio quando, há dias, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, teceu um estranho encómio ao "rigor, disciplina e exigência" que marcaram o ensino no tempo da ditadura.
A coisa passou um bocadinho desapercebida. Mas não devia: o que Durão elogiou foi um sistema educativo a que tinham acesso apenas os mais abastados e um sistema educativo que, com exceções, concerteza, se baseava no medo, no respeitinho atemorizante imposto pelo professor e pelo despejar das matérias sem direito a contraditório e a reflexão. Disse, a propósito, Rosário Gama ao Diário de Notícias: "Era ensino de cátedra, em que se exigia uma série de memorizações. Era o que eu chamo de 'educação bancária': abrir a cabeça e despejar lá para dentro conhecimentos". A atual presidente da APRE! sabe do que fala: ela foi diretora de uma escola secundária de sucesso - a Infanta D. Maria, de Coimbra.
Passamos do inferno para o céu? Não. O grau de experimentalismo e de facilitismo, o constante ziguezaguear das políticas definidas pelos vários governos para o setor, tranformaram a Educação em Portugal numa espécie de ringue em que, de um lado, estão docentes, do outro, o ministro da tutela e, no meio, indefesos, os estudantes. A crise agravou tudo e passou a servir de argumento para tudo, sejam protestos sem sentido ou políticas de ideologia dúbia e resultado incerto.
Isso é uma coisa. Que deve ser discutida e ultrapassada com um acordo entre as forças do arco do poder. Outra, bem diferente, é desejar ardentemente que a "disciplina, a exigência e o rigor" se alcancem numa escola em que os menos dotados são corridos à reguada, ou com "carinhosas" vergastadas nas orelhas, se não souberem de cor e salteado os rios e as serras do nosso querido Portugal. Só falta irem de socos...