Adouta Comissão Nacional de Eleições (CNE), constituída maioritariamente por um juiz e representantes dos partidos políticos e do Governo, tomou uma douta decisão: as estações de televisão, se querem fazer entrevistas, têm de as fazer a todos os candidatos às câmaras, sem exceção. A decisão entrará rapidamente para o top das medidas mais estúpidas e patéticas.
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A CNE não é um tribunal, embora se dê ares disso. Logo, é questionável a sua legitimidade para tomar uma decisão deste alcance. Porque, em rigor, a CNE está a intrometer-se na definição dos critérios editoriais das estações televisivas, matéria que está (ou deveria estar) no domínio do (quase) intocável. Percebo a pergunta: mas as televisões, sobretudo as privadas, podem fazer tudo o que lhes apetece no domínio jornalístico? Podem. Se houver queixas, os tribunais resolvem. Se o telespetador não gostar, muda de canal. O mesmo se aplica às rádios e à Imprensa, a quem a CNE quer aplicar os mesmos critérios.
Por mais ensurdecedora que possa ser a liberdade dos meios de Comunicação Social, ela é sempre preferível à ditadura da imposição. É um caminho perigoso, este que a CNE pretende seguir. Perigoso e sem sentido, na exata medida em que as televisões têm sabido, ao longo dos últimos atos eleitorais, alargar critérios e encontrar espaço para dar voz e visibilidade ao maior número possível de intervenientes. O que não pode exigir-se é que se trate de forma igual o que na verdade é diferente.
O Bloco de Esquerda é um excelente exemplo. Todos nos lembramos de como o partido começou a dar nas vistas: usando uma divertida e assertiva forma de comunicar. Nessa altura, Francisco Louçã ainda não debatia com os candidatos a primeiro-ministro. Ia à televisão, mas falava sozinho. Com mérito e com votos, o Bloco alcançou essa possibilidade quando cresceu. Esta é a regra natural das coisas. Por que razão quer a CNE alterá-la? Em nome do sacrossanto princípio do pluralismo e da igualdade de oportunidades? Devemos agradecer a preocupação dos doutos senhores? Ou, ao invés, devemos pedir-lhes que guardem as lições de democracia para outra altura?
Acresce que, como diz o ditado, o pior cego é aquele que não quer ver. Ora, a CNE ainda não viu que, com esta decisão, lesa quem julga ajudar. Os principais prejudicados pelo facto de as televisões reduzirem o nível de cobertura da campanha são, precisamente, os pequenos partidos e os candidatos com menos estofo financeiro. As estruturas dos grandes são suficientes para encher as ruas com jotas a agitar bandeiras em arruadas.
Eis um caso típico de como a emenda ficou bem pior do que o soneto. Em vez de incentivar a informação dos eleitores, a CNE atrapalha. Em vez de aproximar o eleitor da urna, a CNE afasta-o. É obra.