A emigração da propriedade intelectual
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A pergunta nunca surge de imediato. Há uma narrativa antes de lá chegar quando se trata de conversar com investidores de capital de risco. Um fio condutor a que qualquer empreendedor se vai habituando a percorrer com o seu discurso, com paragens obrigatórias no potencial do produto, na dimensão do mercado e na ambição da equipa. Até que a pergunta surge com naturalidade, e como se fosse o fator-chave que decidirá aquele investimento: a propriedade intelectual é vossa?
É nesta questão, de quem sabe o que procura, que reside uma realidade maior. O conhecimento e a propriedade intelectual têm-se vindo a transformar em ativos digitais em vez de físicos. E este fenómeno, não restrito ao mundo de startups, está a instalar-se à nossa volta, fruto de um mundo onde o trabalho remoto ou o nomadismo digital se tornaram práticas comuns que esbateram fronteiras. Para muitas empresas e investidores estrangeiros, as ideias podem continuar a ser criadas e amadurecidas por equipas em países como Portugal, mas a propriedade intelectual - tais como marcas, patentes, dados, algoritmos - é uma mais-valia que tem de "viajar" para a origem de onde vem o dinheiro.
Este é um novo estilo de emigração, onde a componente digital, silenciosa e menos percetível, transfere diariamente propriedade e conhecimento para fora dos ecossistemas económico e social portugueses. Realidade diferente do fenómeno de emigração que os meios de comunicação social foram documentando nos aeroportos nacionais ao longo de mais de uma década. E, ao contrário da emigração tradicional, onde o vínculo emocional ou outros incentivos financeiros nos poderão ajudar a retornar alguns dos que emigraram, a propriedade intelectual dificilmente voltará.
Como estratégia, precisamos de continuar a desenvolver as redes de suporte que nos ajudem a segurar o conhecimento e a propriedade intelectual em Portugal, dando-lhes espaço e tempo para crescer e amadurecer. É necessário assumir mais riscos e esforços para investir em ideias de valor acrescentado que, demasiadas vezes, encontram reconhecimento mais rápido fora do país. Se condições como estas não forem maturadas e investidas, vamos continuar a assistir à migração de valor acrescentado, produto inicial do nosso sistema, para grandes empresas e ecossistemas internacionais. E, nesse caminho, Portugal arrisca-se a ser apenas o ponto de partida, sem conseguir reter a propriedade e as mais-valias do conhecimento como destino.