Devyani Khobragade é vice-cônsul-geral da Índia em Nova Iorque. A dada altura, terá decidiu fazer vir do seu país uma empregada e, para isso, preencheu os papéis do visto, onde declarou que iria pagar-lhe 4500 dólares/mês. Tudo banal. Na perspetiva das autoridades norte-americanas, nada banal. Porque dizem que a vice-cônsul mentiu, uma vez que iria pagar à serviçal dez vezes menos. Vai daí, decidiram acusá-la da prática de vários crimes, entre os quais o de falsas declarações, incorrendo a acusada numa pena de prisão até 15 anos.
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E aqui é que a história ainda se complica mais. A senhora foi detida junto ao colégio da filha, algemada em público e de seguida revistada de uma forma particularmente intrusiva, que incluiu a sua genitália (cavity research). Não sendo isso ainda suficiente, foi mantida em detenção numa cela com pessoas nada recomendáveis e, finalmente, só foi libertada - a aguardar julgamento - depois de pagar uma caução muito elevada.
Quando soube destes factos, a Índia reagiu com brutalidade. Exigiu um pedido de desculpas imediato aos Estados Unidos e que fosse retirada a acusação contra a sua cônsul; e, como retaliação, retirou as barreiras de proteção junto à embaixada norte-americana em Nova Deli, desprotegendo-a de forma grave, levantou todas as imunidades ao pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos e desencadeou uma investigação relativamente a todas as empregadas de cidadãos norte-americanos (imagina-se porquê). Há até quem peça que seja desencadeada ação criminal contra todos os diplomatas e agentes consulares norte-americanos gays, por se ter (re)descoberto que ser homossexual na Índia, como "ato contra a natureza", pode levar a uma pena de prisão até dez anos...
Todo este processo de escalada situa as relações entre EUA e Índia num dos níveis mais baixos de sempre. O secretário de Estado norte-americano ainda tentou, sem pedir desculpa, dizer que "lamentava" o "infeliz" incidente. Mas de nada serviu.
Este caso é uma sucessão de momentos estúpidos e insensatos.
Insensatas, as autoridades norte-americanas, por sujeitarem a vice-cônsul a um trato de polé, degradante e violador dos seus direitos - a questão é muito mais esta do que a da discussão sobre imunidades consulares. Insensato, o Governo indiano, por ter reagido com uma ausência chocante de proporcionalidade, violando grosseiramente as suas obrigações internacionais e, além disso, deixando claro que a embaixada norte-americana está desprotegida. E estúpida, finalmente, a posição norte-americana mais recente, de acordo com a qual a acusação criminal é mesmo para ir avante.
É claro que a questão vai acabar por se resolver. Mas serve de forma exemplar para mostrar como nunca se pode subestimar o fator humano nas relações entre países, numa altura em que é tudo global e, dizem-nos, muito económico-financeiro.
Só para acabar com mais um elemento ridículo. Que é feito da empregada da vice-cônsul? Nada, nem sequer entrou nos Estados Unidos. E só porque foi acusada de furto e chantagem pela que ia ser sua patroa é que resolveu vingar-se e denunciá-la.
É, todo este disparate deve-se a uma zanga entre patroa e empregada. Uma zanga com consequências internacionais, portanto.