Há uma forma de dizimar Putin: reduzir drasticamente as compras de petróleo, gás e carvão à Rússia. Eis um passo gigantesco para ganhar esta guerra e, em simultâneo, combater as alterações climáticas. Todavia, ninguém parece preparado para tal revolução. Ora, convém lembrar que também não estávamos organizados para enfrentar uma pandemia, mas depressa mudámos de vida para sobreviver. É novamente isso que está em causa.
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A Rússia produz 11 milhões de barris de petróleo por dia, sendo grande parte dessa produção canalizada para mercados internacionais, o que a converte num dos maiores exportadores do Mundo. Na Europa, a Eslováquia, a Finlândia e a Lituânia são bons compradores. Na Ásia, destaca-se a China que, em 2021, comprou diariamente 1,6 milhões de barris de petróleo.
O gás é outra área sensível. Diariamente a União Europeia compra à Rússia mais de 400 milhões de dólares de gás, aumentando essa fatura para 700 milhões, se acrescentarmos o petróleo e o carvão. Um dos países com maior dependência do gás russo é a Alemanha que tem feito assentar aí a transição energética. E isso revela-se agora um problema colossal. Ontem, ao ouvir o presidente da Ucrânia falar no Bundestag, o chanceler Olaf Scholz sentiu-se certamente dividido entre o impulso de fazer a vontade a Volodymyr Zelensky, reunindo forças para derrubar o muro deste tremendo conflito bélico, e os compromissos que tem para garantir o equilíbrio do mercado energético dentro de portas. Não é fácil.
Todavia, é nos momentos mais tenebrosos da nossa História que identificamos os grandes líderes e admiramos a coragem na tomada de decisões drásticas. Há dois anos, nenhum de nós imaginaria ser possível fechar os cidadãos em casa durante várias semanas e aí promover uma certa normalidade. À custa de um vírus, demos passos gigantescos para uma transição digital que parecia impossível de operacionalizar em pouco tempo. Agora temos outro tirano pela frente, mais visível, mais opulento. Precisamos de cortar os seus tentáculos. E um dos mais fortes está no negócio dos combustíveis fósseis que, paradoxalmente, precisamos de combater para travar as alterações climáticas em curso.
Por estes dias, várias revistas internacionais sublinham a urgência de se fazer qualquer coisa a esse nível, apesar da dificuldade de tal empreitada. Talvez fosse proveitoso ter presente o alerta que a revista francesa L"OBS fazia ontem: negra (petróleo), cinzenta (gás) ou verde (renovável), a energia será sempre muito cara. E, acrescente-se, fará agora parte de uma complexa geopolítica.
* Prof. associada com agregação da UMinho