<p>Não era uma entrevista; era "a" entrevista. Em primeiro lugar, porque um chefe de Governo deve economizar nas palavras, mais a mais quando se encontra sob fogo. Um bem escasso valoriza-se e no mercado político não deve o vento levar a palavra. Em segundo lugar, porque era chegada a altura de "pôr um ponto de ordem", dar directamente ao país explicações sobre o seu envolvimento no "caso Freeport". Nesse sentido, interessava não apenas o que dissesse, mas também o que não dissesse. E, já agora, como o dissesse. O realizador da RTP percebeu-o: no exacto momento em que o tema foi introduzido, apertou ainda mais o plano, para que nenhum esgar escapasse ao escrutínio do telespectador. Um ecrã não é um polígrafo, mas às vezes parece.</p>
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Os portugueses não esperavam um julgamento, muito menos que se desfizessem todas as dúvidas, mas tão-só a oportunidade de avaliarem por si próprios a sinceridade do primeiro-ministro. Sem intermediários, sem terceiros a interpretarem as suas declarações. Criada a expectativa, resulta estranha a opção dos jornalistas: se no alinhamento reservaram ao assunto os 15 minutos finais de uma entrevista de uma hora, é porque não estão sintonizados com o país.
Quando a página se virou para o Freeport, Sócrates já estava a ganhar. Tão acintoso - a raiar o agressivo - fora com os interlocutores (em especial com Judite Sousa) que já se permitia conduzir a conversa a seu bel-prazer. O carácter melindroso do caso e o receio latente dos jornalistas de serem acusados de se armarem em juízes de instrução pintaram o resto do quadro.
O primeiro-ministro acabou, assim, por fazer passar na íntegra a mensagem que desejava. A saber: factual é a "cabala" montada em 2005 por adversários políticos para o atingir, explicada tintim por tintim, que já transitou em julgado e produziu condenações; o que hoje se passa, não assente em provas, segue o mesmo trilho. É esta, no essencial, a argumentação de Sócrates. O resto - sobretudo o ataque à Comunicação Social, táctica habitual nos políticos - é meramente instrumental. Feitas as contas, ficou Sócrates mais aliviado da "cruz" que se queixa de transportar? É pouco provável. Ficou o país mais esclarecido? Não, de todo.
P. S. - A Câmara de Santa Comba Dão assinala o 35º aniversário do 25 de Abril inaugurando o Largo António Oliveira Salazar. A democracia em que vivemos tem destas virtudes: até provocações autoriza, infelizmente vindas de poderes públicos. Ou, então, a avaliar pela justificação do vice-presidente, trata-se apenas de ignorância: "Escolhemos esse dia por ser um feriado nacional. Não há nenhum significado especial nisso". Importa-se de repetir?