<p>Sou um adepto incondicional da Selecção Nacional. Sou dos que ainda acreditam numa presença honrosa neste Mundial de futebol. Sou, contudo, dos que lamentam que, face à irresponsabilidade da maioria dos dirigentes do nosso futebol, estejamos na iminência de já não ter Selecção digna desse nome para jogar o próximo Europeu - veja-se a panóplia ridícula de dezenas de jovens estrangeiros com que Benfica, F. C. Porto e Sporting entram em campo no campeonato nacional de juniores que agora está a terminar! </p>
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Como é que este tipo de opções é compreensível num país que com as suas gentes gerou nos últimos 25 anos atletas que nos conduziram a dois quartos-de-final de Europeus - 1996 e 2008, quatro meias-finais de campeonatos da Europa e do Mundo - 1984, 2000, 2004, 2006, a uma final do Campeonato Europeu - 2004, à final de três taças UEFA, à final e à vitória em duas Ligas dos Campeões Europeus. Um país que na última década gerou dois jogadores considerados os melhores do Mundo pela FIFA - Luís Figo e Cristiano Ronaldo, que conduziu um treinador ao patamar de ser considerado o melhor do continente africano - Manuel José, e outro, José Mourinho, ao estrelato de ser reconhecido como o "Especial" e único à escala planetária. O que se pode dizer de uma geração de dirigentes que está a delapidar na maior das impunidades este legado?
Este intróito é, pois, desculpabilizante para qualquer seleccionador pós-era Scolari - Scolari que soube dar uma superidentidade a essa fantástica coligação de geniais jogadores, os "sobreviventes" dos mundiais de juniores de 90 e 91 mais os campeões europeus de Mourinho em 2004.
Mas todas as desculpas não podem ignorar o facto desta equipa ser, mesmo assim, das mais "caras" deste Mundial e ter como bandeira Cristiano Ronaldo, Bola de Ouro em 2008. Todas as desculpas não podem passar por cima do facto de selecções sem estrelas, mas organizadas e com alma, se estão a afirmar perante os "melhores do Mundo"- casos do Uruguai, da Sérvia, do Paraguai, da Suíça, entre outros.
E, principalmente, as desculpas esbarram no somatório de erros de "casting" que têm envolvido a Selecção - demasiados para só serem meros equívocos.
A senda começou quando, inadequadamente, a opção foi por um estágio mediático, cheio de meninas a arrepanhar os cabelos enquanto vitoriavam os craques e de meninos traquinas e agitados a darem tudo por um autógrafo.
O estágio de uma equipa profissional pressupõe a tranquilidade que é irmã gémea da concentração; o distanciamento que faz crescer o apetite por ter movimento e público para evidenciar a qualidade do trabalho efectuado. É verdade que somos pródigos nesta tontaria - lembremo-nos de Macau antes do Mundial da Coreia, em 2002, ou da injecção de adrenalina emocional a que foram expostos os jogadores antes da final de 2004 - mas devíamos aprender com o tempo.
Depois, várias opções de gestão do plantel, das opções tácticas e da gestão da comunicação são no mínimo bizarras - e não me venham com a conversa de que nós, cidadãos comuns, que enchemos os estádios, não temos que opinar sobre estas coisas, nós que até somos considerados aptos para sufragar quem desejamos para governar um país e liderar a Nação!
Pepe estava em condições de jogar na África do Sul? Então por que não ser testado a sério no último jogo-treino antes de se iniciar a competição?
Nani estava em situação de poder vir a ser dispensado por lesão? Então por que embarcou em Lisboa sem que tal dúvida tivesse sido explicada a sério para a opinião pública? Por que mostrou tanto enfado, quase perplexidade, com a sua exclusão? Por que é que até hoje a situação já foi comentada por dirigentes, treinadores, colegas de equipa e não o foi pelos únicos que deveriam ter falado, os médicos?
Quanto ao primeiro jogo nada de diferente do que foi mostrado na maioria dos jogos da fase de apuramento. Uma equipa tristonha, sem fio de jogo inteligível, vivendo da qualidade individual de um ou outro mais inspirado.
É surpresa Ronaldo não marcar pela selecção há mais de um ano? Acho que não, já que, ao contrário do que acontece em Madrid e antes em Manchester, Ronaldo joga na Selecção a 40 metros da baliza, qual número 10 para que não está vocacionado.
É surpresa Deco não render? Não, nomeadamente, quando, como contra a Costa do Marfim, se vê empurrado para ala direito e deslocado do miolo do terreno onde é mestre.
Os pontas-de-lança são meros assistentes na maioria dos jogos? Claro. É o que acontece quando uma equipa se descaracteriza e tenta jogar um futebol directo, jogando sem extremos e com sete jogadores permanentemente recuados. A crítica implícita e construtiva ao líder máximo da Selecção Nacional não me impede de ser um convicto admirador de Carlos Queiroz pensador, organizador e formador de jovens talentos, matérias em que é dos melhores do Mundo. Que bom seria que o futebol português o conseguisse vinculá-lo a um cargo perene de secretário-geral da Federação Portuguesa de Futebol. Esta observação traduz um dos nossos defeitos congénitos, a incapacidade de fazermos render os nossos melhores, nos cargos e funções adequados à sua qualificação. Mas vamos pensar positivo. Os jogadores, sempre os menos culpados, e o seu valor ainda lá estão. Vamos crer na sua capacidade de superação e num resultado positivo contra a Coreia do Norte, conjugado com uma vitória confortável do Brasil face à Costa do Marfim, talvez fosse um bom tónico para nos catapultar pelo menos até aos quartos-de-final.
* "A equipa de todos nós", genial e inspiradora expressão da autoria do saudoso jornalista Ricardo Ornellas, para designar a Selecção Nacional.