<p>A porta por onde José Sócrates pode aceder a uma nova maioria absoluta poderá estar cada vez mais estreita: a crise internacional e os seus efeitos internos, o caso Freeport e outros "pequenos" casos envolvendo o primeiro-ministro, o coro da Oposição contra a "má-governação" e, mais recentemente, as críticas indirectas de Belém não deixam margem para nenhum erro. Foi neste cenário que José Sócrates aceitou uma entrevista à RTP, cuja utilidade não visava, porque tal é impossível, atacar todas as frentes. Com efeito, Sócrates jamais calará o "coro" da Oposição e terá de resolver conflitos com Cavaco - se os houver - no segredo das reuniões que ambos têm semanalmente (a menos que prefira um confronto público de sucesso duvidoso para ambos), pelo que o objectivo do primeiro-ministro seria obviamente o de mostrar que não há má governação a agravar os efeitos inevitáveis da crise internacional, e que as acusações no caso Freeport são infundadas - não bastando para isso, infelizmente para ele, falar em campanha, processar quem o acusa ou relembrar a quem compete o ónus da prova.</p>
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Sobre Cavaco, Sócrates foi ao limite: negou que o presidente se referisse à governação quando lançou críticas e negou que se referisse ao presidente quando há dias falou em recados. Ora, não estando nós nos gabinetes de Belém para ver como correm as reuniões entre os dois, foi importante ouvi-lo dizer que conhece suficientemente bem o presidente para garantir que Cavaco não visava o Governo quando lançou as críticas. A afirmação foi clara e, por inverosímil que pareça, não permite interpretações. A menos que o PR viesse dizer o contrário - o que seria impensável.
Os dotes de comunicador de Sócrates permitiram-lhe brilhar quando analisou a crise. Repetiu o que sempre tem dito, deu uma novidade - a do subsídio social de desemprego - e, pela enésima vez, falou na defesa do emprego, das empresas e das famílias. Mas esteve bem quando quis mostrar que se há números maus sobre a economia portuguesa há outros melhores, que traduzem algum trabalho positivo do Governo.
A parte mais crispada da entrevista foi sobre o Freeport. Bem vistas as coisas, Sócrates não disse mais nem menos do que qualquer cidadão de bem diria se estivesse a ser injustamente acusado. O problema de Sócrates é que a questão não se resolve, arrasta-se e, como há dias dizia Miguel Sousa Tavares, ele vai ardendo neste lume brando que alguma Imprensa vai ateando.
A questão coloca, ao país em geral, à Justiça e aos jornalistas problemas que deveriam ser pesados e amadurecidos. O início desta história Freeport, que Sócrates ontem recordou nos mesmos termos em que Marinho Pinto a denunciara, é kafkiano. Mas no ponto em que as coisas estão não pode - e já nem deve - ser interrompida, porque tudo tem de ser esclarecido. Pelo que Sócrates continuará neste lume brando, respondendo com processos a quem o difamar. No seu optimismo, ele acredita que nem isso o fará perder a maioria absoluta. É o que se verá lá para diante. Mas se a Oposição só tem isto para o combate eleitoral, a campanha vai ser monótona e sensaborona.