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O momento político em que nos encontramos não deixa de ser, à semelhança da peça de Beckett, um requintado exemplo do "teatro do absurdo".
Eis-nos aqui, vergados sob o peso de uma enorme dívida, tolhidos por vários défices estruturais, enfim, cheios de problemas para resolver e a queimar tempo à espera dos próximos atos de uma peça que nos surpreende com aquilo de que estávamos à espera.
E, se calhar, para a semana, entra o miúdo da peça original, avisa que Godot não virá, talvez amanhã e o pano cai ao som do famoso diálogo: "Vladimir: Então, devemos partir?/ Estragon: Sim, vamos. /Eles não se movem."
Ou seja, acordando com um estalar dos dedos, percebemos que depois de tanto mistério e de tanto segredo o acordo à Esquerda desta vez não pariu o Rato.
Começa a parecer-me que pode ser uma possibilidade. Tenho ouvido mais insistentemente Carlos César a declarar que o PS não alinhará em maiorias negativas, que é como quem diz se não tiver acordo firme; a louvar a iniciativa de diálogo protagonizada pelo ministro dos Assuntos Parlamentares, Costa Neves, e mesmo a afirmar, como Cerveira Pinto nos recordava esta semana no debate televisivo "Política sueca", que o próximo Governo será um Governo de maioria!
A não ser este o fim da peça, então temos de refletir nas razões pelas quais é possível manter as linhas deste acordo tão recatadamente escondidas.
Num país onde antes de tudo acontecer já tudo se sabe, como é possível que há um mês, três partidos se reúnam e discutam, sem que transpareça para o exterior qualquer informação?
E não me venham dizer que não adianta perguntar porque quando as pessoas não querem falar não falam! O que os cidadãos veem e leem todos os dias mostra à saciedade que o conteúdo de muitos jornais (ou outros OCS) não descende exatamente de declarações autorizadas.
Não faço a apologia da fuga de informação e do seu aproveitamento. Questiono, isso sim, os dois pesos e as duas medidas que qualquer observador atento descortinará. Há, por estes dias, muita matéria de interesse nacional que, em minha opinião, não tem a atenção que merece por parte de quem tem a obrigação de informar.
Nestas condições, o nosso cenário cada vez mais se parece com uma mesa onde políticos e Comunicação Social jogam um jogo. De póquer, naturalmente!