Muito bravas as prestações de Joana Vasconcelos e Luís Portela no ciclo que Pedro Abrunhosa e Paulo Mendes Pinto dirigem em Serralves.
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No passado dia 10, sob a algo relutante mediação do jornalista Vítor Gonçalves, a escultora e o médico, homem forte da Bial, fizeram justiça à frontalidade que os caracteriza aceitando debater a espiritualidade, território de equívocos e risos fáceis. Os dois assumindo ausência de religião e fé (ela nem batizada, ele já não batizou os filhos), foram claros reclamando, ainda assim, uma dimensão espiritual, como perceção muito para lá das evidências ou do que já está explicado.
Se a arte pode radicar exatamente na ideia de uma visão, a auscultação clara na cabeça do artista de algo que não existe, nunca existiu, mas que adquire subitamente a oportunidade de se materializar, a ciência vive no encalço do que não se revelou ainda, procurando conquistar soluções para mistérios que se supõem insolúveis até que sua solução aconteça pelo esforço inspirado de alguém.
A espiritualidade entendida como algo que nos tende a escapar, acessível a partir de uma apuração da sensibilidade, e certamente explicada por sermos entes cuja energia não se desperdiça com a morte, é cada vez mais frequente entre quem recusa a ideia de Deus e, mais ainda, a função das religiões.
Luís Portela, honestíssimo considerando que "há muitas formas de sensibilidade no sentido sexto do termo", aludiu ao trabalho da Universidade do Estado da Virgínia, iniciado por uma equipa liderada pelo já falecido Ian Stevenson (importante cientista e professor de Psiquiatria admirado, por exemplo, por Carl Sagan), que vem estudando casos de pessoas que evocam com precisão desarmante vidas passadas. Comprovar as memórias de crianças que detalham momentos que aconteceram muito antes de nascerem, muito longe de onde vivem, é, no mínimo, perturbador e levanta um desafio ao comezinho do ceticismo.
Ficou no ar a possibilidade de algumas pessoas, eventualmente maturadas por experiências passadas, existirem como energias amplamente positivas. Pessoas cujo sentido é o da prática do bem.
Importou-me muito este debate, exatamente pela raridade de ouvirmos, no espaço público e vindo de alguém que não é do universo fanático, sem compromisso com seitas ou associações, a expressão franca de que podemos valer como seres do bem, contra todo o cinismo que se instala na contemporaneidade, que desmobiliza as consciências e se fere com o facto de resistirem apenas os demasiado radicais.
Não me pareceu para rir, pareceu-me urgente pelo quanto deveria valer de regresso à humanidade como objetivo profundo, convicto, da nossa existência. Pareceu-me urgente por se voltar a dizer bem e pessoa sem que isso seja uma saudade do passado.
Escritor