Na segunda-feira, a ministra do Trabalho comentou aqui o texto que tinha escrito em 31 de Maio na minha coluna semanal do JN. Neste texto assinalei a impressionante mobilização dos trabalhadores contra as medidas de austeridade impostas pelo Governo de que Helena André faz parte, e sublinhei, no dia a seguir à manifestação, "não ser nada normal que um Governo marque uma conferência de Imprensa" para o final de uma manifestação de 300 mil pessoas…
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Podia Helena André ter aproveitado o seu comentário para desvendar a misteriosa razão que a levou a convocar, para o final da tarde de um sábado, aquele inédito encontro com a Comunicação Social. Podia ter contraditado a minha tese, demonstrando que aquele encontro com a Imprensa nunca tivera como objectivo sublinhar uma eventual (e ansiosamente esperada…) fraca mobilização, aproveitando para dar como provado que (ao contrário do que a CGTP anda a dizer) os trabalhadores aceitam bem que o Governo volte a impor-lhes novos e injustos sacrifícios e cortes em direitos. Podia Helena André ter mostrado que eu não tinha razão, que o encontro com a Imprensa (naquele dia, àquela hora…) se destinara apenas a anunciar uma qualquer nova política de combate ao desemprego… Se assim tivesse sido, podia Helena André ter mostrado que, afinal, essa conferência de Imprensa não tinha servido só para repetir as mesmas ideias que o país já lhe tinha ouvido (e a quase todo o seu Governo) desde que o PEC 2 ficou definido entre Sócrates e Passos Coelho. Justifica-se, pois, repetir o que então escrevi: custa ver uma antiga sindicalista dizer para não se contestarem políticas que atropelam direitos básicos, apostando na desmobilização e divisão dos trabalhadores…
Bem podia Helena André ter aproveitado para contraditar o meu texto. Poder podia, mas se o tivesse feito não seria a mesma coisa, não teria falado sobre tudo… excepto sobre o que eu tinha escrito!
Mas se a ministra não o fez, comento eu o que Helena André escreveu.
Começo por recusar o insulto. Passo assim à margem das insidiosas referências e das tradicionais observações relativas à "coincidência entre as agendas do PCP e da CGTP": também não quero cometer a injustiça de sugerir que a agenda do "sindicalismo autónomo, livre e democrático europeu e internacional" possa estar a ser acertada no seu gabinete!
Prefiro falar sobre temas da Esquerda e suas políticas. E sobre a necessidade - que referiu - do PCP fazer uma revolução…
Abespinha-se Helena André com as coligações negativas do PCP com a Direita, mormente na suspensão do Código Contributivo. Já esqueceu que ele foi proposto e aprovado pela então maioria absoluta do PS, que nele se recusou a incluir qualquer alteração proposta pelo PCP?
Interroga-se sobre qual é a posição do PCP sobre as propostas do PSD para desviar verbas do desemprego para "ajudar" empresas em risco, ou as que pretendem maior flexibilização dos despedimentos. Pelo passado e pelo cargo que ocupa, Helena André conhece muito bem as posições firmes do PCP contra a Direita e os seus objectivos de eliminar direitos laborais. Não as ignora mas insinuou que não existem. Fez mal, fez muito mal. Mas é também claro que, quem a leu, percebeu. Por uma boa razão, aliás: é que todos, mesmo os que estão longe do PCP, sabem muito bem (e há muitos anos) que se há partido com que a Direita nunca conta, é com o PCP. Quanto a isto, bem fará Helena André em olhar antes para a sua própria casa: é que, depois de um comissário Europeu ter dito que Portugal deveria reformar a legislação laboral, vários dos seus colegas de Governo já vieram admiti-lo. Apetece retorquir: quando os ideólogos da Direita aproveitam o desemprego e a crise para falar da flexibilização dos despedimentos, com quem vão afinal estar o PS, o Governo e Helena André? Vão repetir o que fizeram com o Código de Trabalho de Bagão Félix, onde chegaram até ao ponto de receberem elogios da CIP?
Tem Helena André o entendimento que o PCP deve funcionar como muleta do PS, "apoiando a Esquerda que os portugueses escolhem para governar". Não seria antes preferível que o PS fizesse uma verdadeira revolução, a revolução de não dizer uma coisa na Oposição e fazer o contrário no Governo, a revolução de não se afirmar de Esquerda e ao lado dos trabalhadores e do povo, na Oposição, para depois defender os interesses dos grupos económicos e da Direita?
O PS terá mesmo de fazer a revolução de não adoptar no Governo as políticas que a Direita faria se lá estivesse, como se a natureza das políticas dependesse do nome de quem as concebe e não dos interesses que servem.
O PS terá mesmo de fazer uma revolução, a revolução de não colocar entre aspas a Esquerda e entre parêntesis as políticas de Esquerda.