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Entre as múltiplas palavras de "especialistas" (reais ou supostos, académicos ou amadores) que contribuem para legitimar o discurso mediático e formar (ou condicionar) a opinião pública, a voz dos economistas ocupa lugar decisivo. De entre o que vejo, oiço e leio à minha volta, o que predomina é o discurso "oficial" - sustentado pelo Governo e enfatizado pelo Presidente - no sentido de reduzir o défice, à custa das políticas sociais e do investimento público que pudesse sustentar legítimas esperanças de crescimento e de criação de emprego, conhecida que é a histórica debilidade do sector privado lusitano que, com raras excepções criadas após o 25 de Abril, se habituou a viver à sombra do proteccionismo e continua a revelar naturais dificuldades em adaptar-se às presentes circunstâncias.
Estamos perante um "double bind", ou, se quiserem um "nó duplo": escolher a austeridade, à custa do crescimento e da justiça social ou optar pela rotura com Bruxelas e com o PEC. Na perspectiva de uma pequena potência, como Portugal, a segunda alternativa é praticamente inexistente. A solução dominante no espaço público português é a de considerar a austeridade inevitável, com algumas "nuances", mas sem alternativas convincentes, a não ser em cenários catastrofistas de abandono (quiçá, expulsão) da "zona Euro". O fantasma da Grécia paira sobre a Europa, com o cenário de austeridade e revolta social que lhe é associado.
Se pensarmos apenas no plano nacional, será impossível escaparmos ao duplo constrangimento - austeridade versus crescimento. Só no âmbito de novas políticas económicas e financeiras, definidas pela União Europeia, seria viável encontrarmos margem de manobra para sairmos da opção entre a "peste e a cólera". Por isso me suscita interesse o artigo de Maria João Rodrigues, conselheira de política económica na UE intitulado "É a austeridade uma fatalidade?" (Público, 20 de Junho). A forma interrogativa do título, por si só, põe em causa a dogmática de fundo das políticas financeiras restritivas e questiona o tom imperativo e pseudo-moralizador de certos "analistas" ortodoxos.
Maria João Rodrigues coloca o acento tónico na necessidade de equacionar o "caso português" no âmbito europeu. É a Europa, no seu conjunto, que pode encontrar resposta àquilo que designa por "esquizofrenia política" da austeridade. A saída deste impasse residiria naquilo que designa por "salto qualitativo da governação económica europeia". Essa mudança implicaria quatro "alterações de fundo": "um mecanismo permanente de garantia relativo ao pagamento da dívida pública" (o existente é provisório); reformas do sistema financeiro, a fim de o reorientar "para aquilo que deveria ser a sua função central: converter a poupança em investimento, crescimento e emprego"; aumentar "a coordenação das políticas económicas nacionais, não só com vista à consolidação orçamental, mas também à promoção de crescimento sustentável, reforçando a prioridade do investimento e da criação de emprego"; e, ainda, "criar novas fontes de financiamento" (através da criação de"impostos verdes" ou "impostos sobre o sistema financeiro")".
Chama-se a atenção para este artigo por destoar das vozes dominante de peritos que nem sequer admitem questionar a via única das políticas restritivas. Este ambicioso projecto significaria resolver a crise com" mais Europa", mas tudo indica que as grandes potências europeias, em especial da Alemanha pós-reunificação, estejam mais voltadas para o seu próprio interesse nacional do que em reforçar o papel de Bruxelas. No caso alemão, esta atitude está associada à retoma da sua tradicional zona de influência geopolítica no Leste europeu. Os países em situação económica e financeira grave parecem condenados a cumprir o receituário de diminuição do défice através de políticas restritivas, sem meios para relançar o crescimento e diminuir o desemprego. Quem exerce o poder nacional neste quadro, paga um elevado preço em impopularidade, por melhor que consiga fazer, enquanto "bom aluno", na redução do défice.
