A estrada que começa quando acaba
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Toda a despedida é o início de outra forma de presença. Termina aqui um ciclo de palavras públicas que começou em 2011, nas páginas do "Jornal de Notícias". Ao longo destes anos, fui semanalmente colunista, cronista, observador e viajante de um país que se transforma com as estações e que nunca é apenas território - é também linguagem, silêncio e contradição. Hoje, com a mesma gratidão com que comecei, despeço-me deste espaço semanal. Não é o fim: é a travessia para outro tempo.
Mia Couto, que abre também o meu primeiro livro de ficção, "Uma geografia poética" - orienta-me nesse caminho como uma bússola. Porque é isso que desejo agora: transformar a crónica em fábula, o comentário em narrativa, a realidade em mito. Deixo de escrever a atualidade para tentar escrevê-la de outro modo. Com o livro a ser editado primeiro em São Paulo e depois no Porto, assumo essa mudança de tom como um convite à imaginação.
Não deixo apenas uma coluna: deixo uma escuta. Ao longo destes anos, recebi mensagens de leitores distantes, e outras mais próximas; palavras críticas e abraços silenciosos. Mesmo aqueles com quem não compartilhei proximidade direta fazem parte do que aqui se construiu. A crónica é esse lugar sem paredes: passa de mão em mão, de página em página, e cumpre a sua missão quando provoca um pensamento, uma dúvida, um desvio.
É tempo de seguir. Mas o verbo não é partir - é continuar, noutro registo. A estrada da escrita não termina, apenas muda de paisagem. A crónica, que sempre andou de mãos dadas com a poesia, agora abre-se ao enredo da ficção. Deixo estas linhas para que outras nasçam - em livros, palcos e mapas ainda por desenhar.
Esta não é uma despedida. É apenas mais um princípio.