<p>Um dos mais curiosos episódios da política nacional ocorre, nesta altura, no Porto. Rui Rio, o presidente em exercício, e Elisa Ferreira, apontada como candidata do PS à autarquia portuense, têm vindo sibilinamente a marcar e a preparar terreno para uma disputa que, a confirmar-se, será de resultado imprevisível. Vejamos os últimos factos.</p>
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Rio decidiu promover um (interessante) ciclo de "Conferências do Porto". Primeiro painel: regionalização. O presidente da Câmara já mostrou várias vezes o seu recente amor pela regionalização, assumindo que, no referendo de 1998, votou contra a criação de regiões administrativas. Hoje, incomodado com a "concentração" de investimentos à volta de Lisboa, deseja apenas que o debate não seja "atabalhoado" e que não se centre em "bairrismos" ou discursos inflamados contra Lisboa.
No passado domingo, Elisa Ferreira usou a sua crónica aqui no "JN" para se "meter" com Rio, lembrando-lhe, com certeira ironia, que há mais alegria nos céus por um pecador que se converte do que por todos os justos... Do ponto de vista da substância política, a eurodeputada questionou de passagem os custos, para o Porto e para o Norte, de "décadas de responsáveis alheados". Cito: "Já passaram três séries de fundos estruturais (os QCA) e o QREN está lançado e em execução, quando o Porto e o Norte tanto já foram perdendo do seu vigor e influência sem que ninguém o pudesse denunciar consistentemente e com a devida legitimidade".
O que quer isto dizer? Quer dizer que a estratégia de Elisa Ferreira, caso seja candidata, passa por responsabilizar Rui Rio pelo estado pouco recomendável em que se encontra o Norte. Partindo do elementar princípio de que o Porto e a sua área metropolitana devem funcionar como locomotiva da região - e somando a isso o facto de o PSD liderar no distrito do Porto a maioria das autarquias -, a eurodeputada questionará Rio sobre o que fez ele e o seu partido para contornar o problema. Com isto Elisa conseguirá duas coisas: obriga Rio a retomar o discurso regional, o que politicamente não lhe convém; e apresenta-se ao eleitorado como defensora de uma bandeira (a do Norte) que ninguém tem sabido capitalizar.
De resto, não lhe faltam matérias para sustentar o discurso: do desemprego às bolsas de pobreza, passando pelo metro do Porto e pelo futuro do aeroporto, Elisa tem pano para mangas. Para já, vai dando pequenos sinais do que pode ser a estratégia, assim o PS se entenda quanto à sua candidatura. E o mínimo que pode dizer-se é que a estratégia é inteligente. Rui Rio, percebendo a dimensão do desafio, já se pôs em campo. Tudo se conjuga para que o Porto assista a uma das mais interessantes disputas eleitorais dos últimos anos. O que, por si só, é uma boa notícia.