Vítor Gaspar a falar de crescimento soa quase tão estranho quanto se Francisco Louçã decidisse rezar o Pai-Nosso. Aconteceu, cortesia dos desvios que o desempenho da economia real insiste em ter por comparação com o previsto pelos sofisticados modelos do Banco Central Europeu. Não sei se é isso que se designa de "comportamento desviante" mas a coisa deve ser suficientemente grave para ter convencido as gentes do Ministério das Finanças a mudar a terapêutica. Pelas declarações se percebeu que "crescimento" é tema que não costuma fazer parte da respectiva agenda. Salvou-os o que já terão ouvido a Lobo Xavier sobre a reforma do IRC. A ideia da dedução do valor do investimento à colecta é boa, mas não faz uma estratégia. Obcecado com a contabilidade, o Governo não tem nenhuma. Não admira, por isso, que algumas medidas anunciadas como de estímulo ao crescimento façam temer a repetição do pior do passado.
Corpo do artigo
A pretexto de ajudar a economia local e reanimar o sector da construção, anunciou-se que a Estradas de Portugal teria um plano de investimento na reparação e melhoria de estradas regionais. À partida não parece mal. Sucede que uma boa estratégia requer um fio condutor e que sejam estabelecidas prioridades para a afectação dos recursos hoje, mais do que nunca, escassos. Nada disto é detectável nesta iniciativa e nem sequer o argumento de que seria, igualmente, uma forma de auxiliar o tecido de empresas exportadoras, dispersas pelo país, é suficiente. A não ser que haja fundos suficientes para outras medidas, se o propósito é criar procura para a construção e estimular a actividade das PME, então, vários estudos têm demonstrado as vantagens da reabilitação urbana que não precisa (não pode!) de se circunscrever às grandes cidades. A sensibilidade do Governo para o tema demonstra-se por nunca ter querido solver a sua dívida para com a Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto. Ao contrário do que alguns liberais de pacotilha querem fazer crer, não basta a liberalização das rendas para que a recuperação aconteça. Se reabilitar ficar mais caro do que construir de raiz, o que dita o mercado? E como se internalizam as vantagens que a reabilitação traz para outras actividades, desde o turismo, a restauração, o pequeno comércio ou, até, a segurança? Qualquer liberal identificará neste conjunto de aspectos um fundamento para a intervenção do Estado, não para se substituir aos privados mas para criar as condições para que o mercado não falhe. Reformar o Estado passa, em muito, por aqui.
Como passa por acabar com a tomada de decisões por palpite. O que está a dar, agora, é o impacto do alargamento do canal do Panamá. Alguém olhou para um mapa e concluiu que Portugal é o país europeu que lhe está mais perto. Até agora isso fazia de Sines a porta de entrada na Europa, justificando a linha férrea para Badajoz. Não fossem os navios falhar o alvo, eis que o argumento se repete, desta vez, para Lisboa. Não tenho competência para discutir a utilidade de construir a linha férrea de Sines à fronteira. Pergunto-me: por que não Aveiro? Tenho ouvido e lido que, para além da Autoeuropa, o grosso das mercadorias que passam por Sines não tem na ferrovia uma alternativa de escoamento para a Europa. Não sou, também, capaz de avaliar se a Trafaria é a alternativa certa para retirar os barcos de Santa Apolónia. Em qualquer caso, o que li sobre logística marítima diz-me que a narrativa da porta de entrada para os navios provenientes do Panamá soa a lenda, sobretudo quando os principais mercados de destino estão no Centro e Leste da Europa. Estou disposto a ser refutado. Há estudos sérios e independentes sobre o assunto? Mostrem-nos! Enquanto se decidir assim, não há reforma do Estado que nos valha!
E também não vamos lá com a postura, corporativa e passadista, adoptada pelas altas patentes das Forças Armadas. Que tal seguirem o exemplo dos reitores das universidades que encomendaram um estudo a uma entidade externa, a Associação Europeia de Universidades? Quem não deve não teme!
P.S. Se estiver no Porto, visite a exposição Comunicar, no Museu da Alfândega.