Mário Centeno foi, ao longo da última legislatura, não apenas o garante de que o défice evoluía num sentido favorável, exigido por Bruxelas e imposto pelo brutal valor da dívida pública, mas também que o Orçamento não se tornava num cozido à portuguesa ou num bacalhau com todos, dois pratos que não exigindo grande ciência na confeção, dependem em absoluto dos ingredientes com que são feitos.
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Para dar tudo a toda a gente, Centeno tinha de dar o que não tinha e isso, honra lhe seja feita, ele nunca aceitou fazer. Ainda assim, a percentagem da dívida sobre o PIB foi descendo ligeiramente, mas em valor absoluto não parou de subir. Tudo isto foi conseguido sem um único Orçamento Retificativo, mas com um nível de cativações que puseram em causa vários serviços públicos, com destaque para os hospitais, as escolas e os transportes.
Enquanto o país discutia, na cozinha da Cristina, o menu dos políticos na caça ao voto, o chefe Centeno aproveitava o prestígio acumulado para impor o seu poder e apresentar orçamentos gourmet. Aqui chegados, o Governo tem condições para apresentar, pela primeira vez em democracia, um superavit orçamental. O mérito, ninguém duvida, não cabendo por inteiro ao ministro das Finanças, é, antes de mais, de Mário Centeno.
A primeira estrela Michelin está a caminho e isso, ou por inveja ou por incompetência, fez tocar as campainhas em muitos ministérios. Há quem ainda não tenho aprendido rigorosamente nada com a história, mesmo com a história muito recente, e tenha o desplante de falar em folga orçamental quando o Estado tem uma dívida para pagar de 252 mil milhões de euros (252 000 000 000). São muitos zeros à direita a exigir que não haja zeros à esquerda com responsabilidades na gestão orçamental.
A estrela Michelin reconhece um mérito e aumenta a exigência. Muitos chefes não aguentam a pressão e perdem a estrela por desistência ou manifesta incapacidade em repetir as proezas que os catapultaram para a fama. Na hora em que escrevo, desconheço o resultado final da habitual reunião do Conselho de Ministros no OE para 2020. Vamos todos ter de esperar pela discussão na especialidade para saber se Centeno cede ou convence o número de deputados suficiente para aprovar o documento. O que as notícias do pós-eleições nos dizem, de forma coerente, é que o chefe Centeno tem agora a cozinha governamental muito mais desarrumada, mas o dono da coisa é António Costa e é ele que vai ter de impor um caminho. Se Centeno perder na hora de conseguir um superavit, Portugal tem o destino traçado, não há nada a fazer.
*Jornalista