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Quase tão antiga como a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é a ameaça da sua insustentabilidade. E assim, volta e meia, o tema salta para a ribalta na sequência de um estudo, das declarações de um dignitário político, ou porque é conveniente à alimentação dos canais televisivos de notícias que, na falta das mesmas, tratam de as inventar.
Dito isto, não tenho dúvidas de que o tema é sério e, em boa medida, uma bomba-relógio que um dia destes nos pode rebentar nas mãos com consequências imprevisíveis. Do que também não tenho grandes dúvidas é de que temos vindo a tratar mal o tema ou, se preferirem, a não o tratar de todo.
Quanto à seriedade do assunto, entre muitos sintomas de que vamos tendo conhecimento, parece-me ser merecedor de preocupação o comportamento da taxa de crescimento da despesa em saúde, posicionando-se muito acima do aumento da riqueza gerada no país. Em particular, a despesa pública quase duplicou nos últimos dez anos, enquanto, no mesmo período, o crescimento do PIB se ficou por pálidos valores de um só dígito.
E aqui ganha sentido fazer o balanço, ou seja, questionarmo-nos se, com este significativo aumento de recursos, fizemos mais, se a produção aumentou ou, e no que se afigura como mais relevante, se respondemos melhor às necessidades dos cidadãos? A resposta é complexa, desde logo – no que configura uma fragilidade do sistema – porque a informação para a suportar não existe, ou é incompleta ou não é fiável, mas deverá, inequivocamente, apontar para um claro sim.
Sabemos da enorme pressão a que, em crescendo, os sistemas de saúde têm vindo a ser submetidos, não só no nosso país, mas um pouco por toda a Europa e pelas geografias onde estes existem, em consequência da combinação entre as profundas alterações no perfil demográfico das populações e a fantástica e cada vez mais surpreendente oferta – muito bem-vinda – da inovação tecnológica. E sabemos também que esta é uma das causas deste acréscimo da despesa.
No entanto, e no que ilustra o que acima referi como a forma desadequada como temos vindo a tratar o tema da sustentabilidade dos sistemas de saúde, o ponto preocupante e, no meu modesto entender, onde se poderá fazer a diferença, é a forma, diria leviana, como coletivamente olhamos para o assunto.
Leviana, porque persistirmos em abordar e gerir uma das realidades mais complexas da nossa sociedade e do nosso tempo de forma ligeira, quase amadora, prescindindo do envolvimento dos melhores e das mais modernas ferramentas e metodologias que estão disponíveis.
Coletivamente, porque continuamos a não querer ver que a culpa não está só na atuação do partido A ou B, como a solução também não é exclusiva do partido C ou D. O problema – e não tenhamos dúvida de que temos mesmo um e dos grandes – é de todos e a solução tem que ser construída com o envolvimento de todos.
É, obviamente, a quem está no poder que cabe quebrar este ciclo infernal, que nos tem desviado do essencial e focado no irrelevante e acessório, de culpar e questionar tudo o que os que nos antecederam fizeram e entrar na vertigem irresponsável de (re)começar de novo.
Os que tiverem a coragem de dar esse passo farão história e, mais importante, darão início ao processo de reconstrução do sistema nacional de saúde de todos, de que os nossos filhos e netos vão poder beneficiar.