O resultado da primeira volta das eleições presidenciais francesas transcende o futuro próximo da França e lança uma sombra de dúvidas sobre o futuro da Europa.
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A descrença de boa parte do eleitorado, que não se revê em nenhum dos candidatos à segunda volta das eleições, cria uma apreensão sobre a coesão da União Europeia.
Ainda a sair do impacto do Brexit, com sinais preocupantes na Hungria e noutros países, a Europa começa a sentir dolorosamente a "invasão" da Rússia que tem trabalhado arduamente na manipulação da opinião pública das democracias consolidadas.
Uma invasão que recorre a palavras, a notícias falsas, à propagação de ódios, usando instrumentos ocidentais que deveriam servir exatamente para o contrário. As redes sociais, para o bem e para o mal, fazem parte da nossa existência e são, provavelmente, a maior força de influência junto dos mais jovens.
Assistimos à transformação dos tecidos sociais pela sementeira de populismos alimentados por potências hostis e autocráticas.
Sendo certo que este perigo tem sido reconhecido pelas empresas detentoras das maiores plataformas, o que é certo é que esta vulnerabilidade está longe de ser corrigida.
A intenção de Elon Musk de interferir no Twitter é clara e, mesmo assim, causou alguma inquietação. Mais inquietante é pensarmos nos movimentos de interferência oculta, protegidos pela lógica liberal da nossa economia...
A resposta a este problema passa pela educação, pela proteção de uma comunicação social forte e independente e pela capacitação das comunidades locais que são a base da cidadania.
É por isso que a descentralização administrativa, sobretudo na área da educação, é importante, aliando os municípios e a comunidade escolar em projetos educativos de impacto comunitário. Isto é demonstrado por casos bem-sucedidos como Cascais, Gaia, Aveiro ou Matosinhos, entre tantos outros, que evidenciam as virtudes da conjugação da autonomia dos municípios com a autonomia dos agrupamentos de escolas. A continuidade do projeto europeu, que as eleições francesas podem pôr em causa, só se defende com comunidades mais fortes, sejam ao nível local, sejam ao nível regional.
Comunidades que fomentam a cidadania, a participação das pessoas na vida comum. Comunidades capazes de resolver os seus problemas com abordagens próprias e criativas, em que a primeira rede social é a proximidade entre vizinhos e entre instituições e as notícias são feitas por jornalistas.Comunidades onde a democracia se vive diariamente e onde os populismos esbarram na barreira da solidariedade e do bem comum.
*Presidente da Câmara de Matosinhos