Corpo do artigo
Na semana passada escrevi esta minha habitual crónica em cima da decisão do Tribunal Constitucional que deixou o Governo à beira de um ataque de nervos. Nunca tive grandes ilusões quanto à capacidade de regeneração das políticas traçadas por Vítor Gaspar e Passos Coelho, a partir dos próprios. Passados estes dois anos, já deu para perceber que o primeiro-ministro é obstinado, teimoso e que preferirá persistir no erro do que, por sua iniciativa, reconhecer publicamente que se enganou.
Daí que, contrariamente à opinião generalizada, eu não tenha criado grandes expectativas quanto aos efeitos benéficos de uma profunda remodelação governamental. Respeito os argumentos aduzidos em favor da renovação das caras, mas duvido seriamente da sua eficácia para lograr os efeitos positivos de que se fala, atendendo à personalidade dos dois principais atores governativos.
Mudar de caras para executarem precisamente as mesmas políticas nada resolve. Depressa se esfumará a novidade, dissecados que tenham sido os currículos dos novos protagonistas e vistas, ouvidas e lidas que tenham sido as notícias do renovado ato de posse. As caras novas depressa ficarão velhas, como já o são as políticas em curso.
Apesar do que aqui digo, manifestei no último artigo que escrevi a esperança de que o chumbo do Tribunal Constitucional fosse aproveitado pelo primeiro-ministro para uma séria reformulação das suas políticas, com pessoas não comprometidas com o que falhou.
Pura ilusão! A remodelação foi um verdadeiro flop. Não só não se verifica qualquer mudança de rumo na ação do Governo, como ela ainda sai reforçada com a aposição do aval subscrito pelo presidente da República.
Apesar das muitas dúvidas e algumas críticas formuladas pelo presidente (que, não nos esqueçamos, foi quem primeiro tomou a iniciativa de pedir a fiscalização sucessiva do Orçamento), Passos Coelho só tem razões para prosseguir como até aqui. Tendo perdido politicamente a batalha orçamental, o primeiro-ministro conseguiu transformar esta derrota numa vitória pessoal, ao comprometer o presidente da República com as políticas do Governo que este antes, em parte, criticara. Dá até a ideia que o presidente estaria de má consciência com o pedido de fiscalização que formulou, face às críticas de que foi alvo por parte do Governo e do PSD.
Mas se a remodelação foi um flop, na minha visão, enquanto instrumento reconhecido por alguns para a dinamização da atividade do Governo e para proporcionar um novo estado de alma aos seus membros, tal não significa que os dois novos ministros não sejam pessoas estimáveis e bem preparadas para desempenharem as funções que assumiram. Agora, pelo seu perfil, ninguém espere que qualquer deles tenha condições políticas para emitir qualquer som fora da pauta que rege Passos Coelho. Nem uma oitava acima do tom definido, podemos estar certos. E, portanto, tudo na mesma.
O que é verdade é que o Executivo, que falhou todas as suas previsões e se previa moribundo depois da moção de censura do PS, da demissão de Relvas e do chumbo do TC, parece voltar a respirar, com a solidariedade do presidente da República e a possibilidade de Gaspar conseguir mais sete anos para pagamento parcial da dívida. O nervosismo inquietante de que é reflexo o telegráfico despacho do ministro das Finanças que manda o país parar dá lugar a uma extensa e mais tranquila explanação do sentido do despacho - mais de cinco páginas - para afinal dizer que não é para parar mas para andar devagar. O sentimento parece ser o de que para o Governo, para já, o pior passou.
Dublin poderá vir a ser o balão de oxigénio que lhe permite respirar mais algum tempo. Negociar é agora a palavra. Sete anos para prolongamento das maturidades é insuficiente. Os quinze anos de que sempre se falou como sendo o mais razoável e que o ministro das Finanças pretendia estarão, por agora, fora da mesa das negociações.
Mas o que é certo é que esta é uma nova atitude do Governo. Longe vão os tempos em que Gaspar e Coelho entendiam serem modestas as medidas propostas pela troika e se propunham ir mais longe. Perdemos tempo e andamos para trás por teimosia e impreparação de quem nos governa. Um pouco mais de humildade teria, seguramente, tornado a vida dos portugueses menos dolorosa.