A ferrovia no Minho e os sistemas ligeiros de mobilidade: construir rede, reforçar a acessibilidade, valorizar o espaço público
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1.
No debate "A Ferrovia no Minho: articular linhas, construir rede, servir o território", realizado no dia 18 de setembro, no Teatro Jordão, técnicos especializados nesta temática evidenciaram a importância e o interesse, perante a comunidade política e local presente, de os próximos investimentos na ferrovia pesada assegurarem a plena integração de Guimarães na rede ferroviária nacional. A substancial melhoria dos atuais padrões de mobilidade. a resposta aos desafios ambientais da atualidade e a redução do domínio do automóvel só serão possíveis através da criação de uma rede ferroviária robusta no Minho que garanta tempos de percurso e frequências de elevada qualidade.
O debate demonstrou a viabilidade de uma rede que assegure serviços de longo curso articulados com ligações regionais e urbanas, capazes de responder às necessidades da população, 600 mil habitantes nos municípios que compõem o Pentágono, um milhão de habitantes se incluídos os municípios adjacentes.
Recorde-se que a ligação de comboio Guimarães-Braga não é um tema novo. É referida em diversos documentos do século passado e já neste, em 2009, um trabalho realizado por António Babo assegurou a sua inclusão no Plano Regional de Ordenamento do Território do Norte (PROT-Norte), o qual foi aprovado em Conselho de Ministros em 2021. A criação de uma continuidade ferroviária entre a linha de Braga e a linha de Guimarães ganhou renovada pertinência com as recentes declarações de Frederico Francisco, antigo Secretário de Estado das Infraestruturas e coordenador do Plano Ferroviário Nacional (PFN), apresentado em 2022 e aprovado, com poucas alterações, pelo atual executivo em 16 de abril de 2025. Em entrevista publicada no jornal Público a 4 de outubro último (link), Frederico Francisco atualiza o PFN, atribuindo extrema importância a uma ligação Braga-Guimarães, defende a chegada de comboios de longo curso a Guimarães (via Braga), apresentando-a como um direito para um território com forte dinâmica populacional e económica.
Braga e Guimarães possuem atualmente meras estações terminais. Guimarães é servida por uma linha que, embora renovada, apresenta grandes limitações. Em vez de vir a sentir a sua acessibilidade melhorada, pelo contrário, os vimaranenses têm vindo a perder, sucessivamente, serviço de longo curso e estão cada vez mais afastados das ligações à Galiza. Apenas o fecho da rede ferroviária, ligando os terminais de Guimarães e Braga, bem como a correta localização da nova estação de Braga poderão responder, a uma boa articulação quer para o norte, quer para o sul, quer para o litoral, economizando o material circulante necessário e garantindo plena integração de Guimarães no sistema de Alta Velocidade.
O posicionamento de todos aqueles que têm estudado o tema da ferrovia e elaborado os Planos em vigor, reforça a necessidade de uma ação concertada entre as próximas administrações políticas que vão liderar os municípios do Pentágono, especialmente num momento em que ainda decorrem estudos de definição do traçado e da localização da estação de Alta Velocidade (AV) em Braga. É fundamental para a região - cujo dinamismo demográfico e capacidade produtiva são amplamente reconhecidos - incrementar uma ação intermunicipal que defenda a plena articulação da nova estação de Alta Velocidade com a cidade de Braga e com a atual Linha do Minho, assegurando ligações a Guimarães, Famalicão, Barcelos e Viana do Castelo, servindo o longo curso e as principais centralidades urbanas, incluindo os vários campi universitários existentes.
Estando reunidas condições técnicas e sendo conhecidos incentivos europeus, a solução ferroviária torna-se um imperativo, devendo ser colocada num âmbito distinto do das soluções de mobilidade ligeiras.
2.
A solução do tipo Bus Rapit Tranport (BRT) entre Braga e Guimarães, para a qual foi recentemente disponibilizado financiamento, não possibilitará tempos de ligação à Alta Velocidade comparáveis com os da ferrovia, nem tão pouco com os dos serviços rodoviários de transporte de passageiros que recorrem à rede de autoestradas.
A informação disponível sobre o sistema de mobilidade ligeira refere que o BRT será instalado em canal dedicado ao longo da EN101, desconhecendo-se a possibilidade de evoluir para ferrovia ligeira, como está definido no PFN. Também os critérios de desenho referentes à sua inserção urbana - que sabemos de elevada complexidade dadas as características de povoamento deste território e a enorme carga que essa estrada já suporta - se desconhecem. Mas é evidente que se os tempos de deslocação permitidos não forem convidativos, o BRT não substituirá o transporte motorizado.
Neste contexto, são legítimas as dúvidas sobre esse investimento global. Experiências recentes, como as da Metro Mondego e da Metro do Porto, no centro urbano de Coimbra e na Avenida da Boavista, demonstram que o custo por quilómetro de uma solução BRT rapidamente se aproxima do de sistemas Light Rail Transit (LRT). Exemplos europeus de LRT, como Besançon e Angers (França), com realidades urbanas de dimensão semelhante, confirmam essa tendência. Embora o Estudo de Apoio à Decisão (2022) tenha estimado o custo da ligação BRT Braga-Guimarães em 65M/€ de euros, face a 256M/€ para o LRT, o Plano Nacional de Investimentos (PNI 2030) prevê 200 M/€ de investimento, confirmando uma aproximação entre as duas soluções. Mesmo considerando que as diferenças de investimento e operação dos dois sistemas se mantenham significativas, salienta-se que estudos que avaliam o impacto do sistema no longo prazo, destacam no LRT maiores ganhos ambientais, sociais e económicos. É crucial que estes fatores sejam considerados nos processos de tomada de decisão.
Independentemente da solução BRT ou LRT, importa refletir sobre o alcance e atratividade do traçado em discussão. Não se compreende que, em Guimarães, a nova linha termine na Alameda Dr. Alfredo Pimenta: a) abdicando de intermodalidade no Terminal Rodoviário; b) não se articulando com a Estação Ferroviária; c) não servindo o Campus de Azurém ou o de Couros; d) não servindo o Hospital.
Trata-se, por isso, de uma solução demasiado frágil no serviço que disponibiliza àqueles que quotidianamente o utilizariam, que ficarão desconectados quer de serviços públicos principais, quer das ligações com os outros modos de transporte.
3.
O sucesso do sistema, o seu potencial transformador, depende muito da qualidade da sua inserção urbana. São muitas as cidades europeias de média dimensão comprometidas com a adaptação a um novo contexto climático, nas quais a introdução de um sistema de mobilidade ligeira, maioritariamente em LRT, foi profundamente transformadora do espaço público, incorporando soluções que respondem aos desafios ambientais e de conforto urbano da atualidade: promovendo o conforto pedonal e as interações sociais; reforçando o coberto vegetal, a permeabilidade a qualidade do solo e a biodiversidade. Uma boa inserção urbana deve necessariamente incluir um projeto de qualificação do espaço público no qual a arquitetura e a arquitetura paisagista, acompanhadas por outras especialidades, desempenham um papel central e indispensável. Só assim, a introdução do novo sistema de mobilidade ligeira poderá transformar positivamente os espaços públicos da cidade.
Preocupa-nos, muito, que os primeiros desenhos relativos à inserção urbana do BRT revelem, na Alameda Dr. Alfredo Pimenta, um grande canal de forte segregação espacial, com várias linhas de estacionamento, duas vias em cada sentido, ciclovias e passeios contidos, altamente condicionador da qualidade urbana daquele lugar. Ao colocar num corredor central o BRT - replicando soluções fortemente contestadas em Coimbra e no Porto -, impossibilitará uma simples e fluida articulação com o espaço pedonal, que, cada vez mais, deverá ser amplo e de uso amigável. Esta é uma solução que diverge das tendências europeias e se apresenta em clara contradição com pressupostos do Fundo Ambiental, o programa que enquadra o financiamento do novo sistema de mobilidade.
Preocupa-nos, seriamente, que a chegada do BRT à cidade exclua as suas principais polaridades urbanas e que não responda, no desenho do espaço público, a critérios de qualidade que têm vindo a ser desenvolvidos desde os anos 80 e com que Guimarães sempre se tem vinculado, e a compromissos assumidos no âmbito da Capital Verde. Neste contexto fica um apelo a qualquer projeto que venha a ser implementado neste âmbito: articule-se a técnica com um desenho urbano de qualidade, protejam-se princípios fundamentais do sistema de espaços públicos da cidade, porque são eles que garantem a vida em comunidade, asseguram conforto pedonal e articulam espaços verdes. Defendamos a ambiência patrimonial de Guimarães, a qualidade de vida do seu quotidiano.
4.
Notícias de última hora procuram confirmar avultados investimentos num sistema BRT que, como vimos, exclui os principais interfaces de mobilidade da cidade e polos de atividade, por exemplo a universidade. Com esse investimento parece recusar-se o direito de Guimarães possuir um serviço ferroviário de passageiros de longo curso que garanta acessibilidade aos mais diversos pontos do país. É desse direito que estamos dispostos a abdicar?
Guimarães, 7 de outubro de 2025