A fiscalidade verde e o tempo perdido
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A Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde acaba de apresentar, para discussão pública, o primeiro relatório. Após a discussão, a decorrer no próximo mês, a Comissão fechará o seu relatório final, competindo ao Governo ponderar as propostas apresentadas e submetê-las a deliberação parlamentar.Por aqui se vê que estamos num período de debate de ideias e construção de alternativas, pelo que pecam por precipitação todos quantos reagiram como se se tratasse de decisões tomadas. Numa democracia madura, as consultas públicas podem ser enriquecedoras; e não há nenhuma razão para agirmos como se não estivéssemos numa democracia madura.
A orientação geral da Comissão parece-me boa. Trata-se basicamente de combinar três métodos. O primeiro é penalizar o recurso a fontes de energia não renováveis e poluentes. O segundo é criar incentivos fiscais a comportamentos ambientais. E o terceiro é preservar uma folga entre as receitas adicionais obtidas pelo primeiro método e as receitas perdidas (num primeiro momento, aliás) pelo segundo, de modo a que a "fiscalidade verde" possa contribuir para a redução dos impostos sobre o trabalho.
Subscrevo os três métodos. Com duas ênfases. A Comissão deveria tentar chegar a uma folga maior: os 180 milhões de euros atualmente previstos são escassos para que se alcance alguma redução significativa em sede de TSU ou IRS. E o Governo terá de apresentar uma proposta de lei que contemple já esta redução, porque só isso dará conteúdo à neutralidade fiscal, impedindo que a reforma descambe num novo aumento de impostos.
São discutíveis algumas das medidas que concretizam a penalização fiscal. Por exemplo, a taxa sobre os sacos de plástico, sendo inevitável, talvez seja excessiva. O ponto mais delicado diz, porém, ao tempo: como as medidas agravam os custos de produção e transporte da indústria nacional, a sua aplicação tem de ser feita de forma a não ceifar o fragilíssimo crescimento que esperamos. (Sim, estou de acordo com a crítica do CDS. Noto a particularidade de ela se inscrever numa troca pública de remoques entre parceiros de coligação, mas estou de acordo com o conteúdo).
Já aplaudo sem reservas os incentivos fiscais a comportamentos amigos do desenvolvimento sustentável. Em particular, a possibilidade de abater em sede de IRS parte das despesas com passes de transportes públicos, os incentivos à reabilitação de edifícios, à poupança de água, ao abate de carros e à mobilidade elétrica. Todos vão no sentido certo.
Mas várias destas medidas significam também outra coisa: regressar a normas que já seguimos, que já vimos produzirem resultados positivos e que os efeitos combinados da crise, do preconceito e da ignorância deitaram por terra.
De facto, Portugal teve na década de 2000 um dos mais avançados sistemas europeus de incentivo à substituição de automóveis obsoletos e poluentes por novos automóveis, mais seguros e menos poluentes. Tivemos de revogá-lo em 2011, na sequência da viragem europeia para a via da austeridade a mata-cavalos e à custa da economia.
E o caso da mobilidade elétrica ainda é mais escandaloso. A política a que o ministro Moreira da Silva quer regressar é a mesma que o Governo a que pertence herdou do anterior e logo desmantelou. E não o fez por exigência da troika ou restrição orçamental. Não. Foi mesmo por preconceito, porque nenhuma pedra que levasse o nome de Sócrates poderia ficar de pé. Três anos depois, só não estamos outra vez nesse ponto de partida porque entretanto perdemos a oportunidade de entrar como produtores, e não apenas consumidores, no mercado dos carros elétricos.
Estes erros são dramáticos (e parece, aliás, que não aprendemos com eles: veja-se o que está acontecendo agora com a ciência, que é a mesmíssima coisa). Teremos talvez, assim o Governo mostre coragem e tino, mais fiscalidade verde. Mas, o tempo perdido, já nunca mais o recuperaremos.