Antes tarde do que nunca seria apropriado se num ano os venezuelanos não tivessem perdido, em média, 11 quilos de peso. Seria tolerável se não tivessem morrido com fome entre cinco e seis crianças por semana.
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Seria compreensível se desde 2015 não tivessem fugido do país três milhões de pessoas - 12% da população. Por isso é que mesmo uma aparente boa notícia como a da chegada da ajuda humanitária das Nações Unidas (ONU) à Venezuela deve ser vista no contexto de uma ditadura guiada pela cegueira ideológica, órfã de um chavismo que não soube regenerar-se, preferindo aprimorar os métodos e a crueldade com que coage os fracos. A anuência de Caracas em aceitar os milhões da ONU para mitigar os efeitos do caos (as verbas destinam-se sobretudo a combater a fome e a prevenir doenças) tem, ainda assim, um óbvio significado político. Basta pensarmos que, há dois meses, Nicolás Maduro rejeitou, na Assembleia Geral das Nações Unidas, qualquer ajuda externa, classificando a avaliação da comunidade internacional como uma "invenção" dos malfeitores americanos. Mas é prematuro vermos nesta resposta um novo paradigma. Maduro sempre se preocupou mais com ele do que com os venezuelanos. Não há razões para acreditar que, subitamente, se tenha transformado num democrata com consciência.
A verdade é que está a aproximar-se a data (10 de janeiro) da sua tomada de posse para um novo mandato presidencial, o qual não será reconhecido pela Assembleia Nacional, onde a oposição tem a maioria. Este gesto "humanitário" pode, pois, não passar de uma tentativa de melhor acomodar a sua transição de autocrata eleito para déspota consagrado de forma fraudulenta. Isto, obviamente, se, como teme a oposição, o esforço da ajuda humanitária não acabar refletido "nas contas bancárias que alguns têm em paraísos fiscais". A fome de um ditador nunca é igual à do povo.
*DIRETOR-ADJUNTO