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Maputo, há uns cinco anos: mesmo em frente ao Polana, um dos hotéis mais bonitos de África, um grupo de empresários saía do hipercaro restaurante da alta-roda. Vários pedintes aproximam-se. Um pede "comida". Resposta de um conviva, apertando a barriga cheia: "Comida? Ó amigo, não me fale em comida!".
Parecia uma anedota de mau gosto, mas raramente choca tanto a diferença entre ricos e pobres, como em certas zonas do continente "descolonizado" (ou "recolonizado?").
Mesmo assim, Moçambique não é um dos piores exemplos. Conseguiu sair de uma guerra civil devastadora, construiu um sistema político com elementos de discussão (sempre frágil), tomou algumas medidas inovadoras de desenvolvimento económico, começou a combater o domínio de bandos e gangs, embora a batalha seja desigual, e deva primeiro tirar-se o cavalo de Tróia.
Mas há ainda, em Moçambique, gravíssimos desequilíbrios, e a constante arguição de controlo de uma oligarquia, que confunde política e empresa, empresa e partido, partido e país. Ou que arreda tudo para enriquecer à custa da comunidade, dando-lhe só migalhas.
Em Fevereiro de 2008, no bairro de Magoanine, tínhamos já visto a força do desespero popular, face ao agravamento, irrazoável, de bens e serviços essenciais. E claro que, à mistura, chegaram os frutos da lei do mais forte, com ruas controladas por bandidos e outros meliantes, à mistura com excessos ou deserção das polícias. Agora é o mesmo: há um sentimento legítimo, que deve ser escutado, de revolta contra o aumento dos preços, que é também o escavar do abismo social. E há todos os outros sinais do caos, começando pela destruição, imbecil ou criminosa, do bem público.
Face às marés humanas em Maputo e Matola, face à fúria nos bairros do Jardim, de Benfica, de Inhagó'a, de Mahalazine, o poder Político Precisa de aperfeiçoar o estado social. Não pode esconder a cabeça na areia, nem atribuir tudo, como fez certa Frelimo em 2008, a agentes de desestabilização estrangeiros.
O Serviço de Informações externas, controlado nos últimos anos por um ex-embaixador em Lisboa, sabe que Maputo não tem inimigos internacionais que o queiram perturbar.
Falo como português que não pede nada a Moçambique, nem lhe deve nada. Mas que continua a apoiar um povo que considera irmão, muito para além do sentimento.