As ondas sísmicas de um caso de tráfico humano prometem abalar o futebol português nos próximos tempos e colocam a nu as fragilidades de um setor assente, em alguns casos, em terrenos demasiado pantanosos.
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Há muito que a indústria cresceu a uma velocidade vertiginosa e a pressa tornou-se inimiga daquilo que deve ser o crescimento natural de um jogador. Hoje não se contratam apenas jovens promissores, amarram-se adolescentes, alguns deles já com contratos muito acima dos padrões razoáveis, procuram-se diamantes brutos para serem lapidados e se tornarem peças de ourivesaria reluzentes aos olhos dos clubes e dos empresários. A prova desta ânsia aconteceu em dezembro, quando o Real Madrid contratou ao Palmeiras o brasileiro Endrick, de apenas 16 anos, supostamente por 60 milhões de euros. Um valor demasiado alto e que pode contrariar a perspetiva de crescimento do jogador, caso ele não tenha um bom suporte psicológico.
Por isso, todo este processo ligado ao futebol de formação precisa de ser pensado numa perspetiva mais humana e menos mercantilista, cortando pela raiz a pressa e a pressão de se criarem futebolistas profissionais numa idade em que deviam estar mais preocupados com a formação académica. Este caso de tráfico humano, a envolver uma academia ligada a Mário Costa, presidente da assembleia-geral da Liga Portugal que entretanto renunciou o cargo, é um bom exemplo de como os agentes do futebol português devem criar mecanismos e uma teia muito mais apertada para filtrar casos em que os jovens futebolistas são carne para canhão e ativos de valorização futura. Não seria de estranhar que existam mais academias deste género espalhadas pelo país, a seduzir jogadores de países de terceiro mundo e a colocá-los em condições de vida precárias, enquanto as famílias e eles próprios sonham com um futuro risonho. Tudo isto parece ser apenas a ponta do icebergue.
*Editor