A formação médica como alavanca da coesão territorial
A formação é muito mais do que uma etapa técnica no percurso profissional dos médicos. É um momento decisivo de contacto com o território, de criação de vínculos profissionais, institucionais e pessoais. Ignorar esta dimensão é desperdiçar uma das poucas ferramentas estruturais que o Estado tem para promover a coesão territorial, sobretudo no interior do país.
A redução acentuada do número de médicos em formação geral colocados em hospitais do Interior, como na ULS do Nordeste, revela uma falha profunda na política nacional de saúde. As vagas continuam formalmente abertas, mas o número de internos efetivamente colocados tem vindo a cair drasticamente. Esta realidade não resulta de falta de capacidade formativa das instituições do Interior, mas sim de uma opção política clara: o alargamento das vagas nos grandes centros hospitalares, que absorvem a maioria dos recém-licenciados.
O alerta que lanço torna-se necessário para denunciar a concentração crescente da formação médica nos grandes centros urbanos, expondo um mecanismo silencioso de exclusão territorial. Quando o Interior deixa de formar, deixa também de reter. E quando deixa de reter, compromete o seu futuro.
Quem defende que os incentivos à fixação não devem ocorrer na fase de formação, revela uma visão redutora e desfasada da realidade. É precisamente durante a formação geral que muitos médicos escolhem onde querem viver, trabalhar e construir a sua vida. A experiência demonstra que quem faz o internato num determinado território tem maior probabilidade de aí permanecer, sobretudo quando encontra condições profissionais dignas e qualidade de vida.
Ao afastar os jovens médicos do interior nesta fase crucial, o país perde uma oportunidade estratégica de fixação. Mais grave ainda, aprofunda a escassez de clínicos nas regiões mais fragilizadas, colocando em risco a sustentabilidade futura dos cuidados de saúde. Não se trata apenas de números ou estatísticas, mas sim do direito das populações do Interior a um acesso equitativo à saúde.
Todas as oportunidades contam para o Interior. Entre elas, a formação médica é uma das mais decisivas. Ignorá-la é perpetuar desigualdades que o discurso político diz querer combater, mas que as decisões concretas continuam a agravar.

