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Onde os céticos viram irresponsabilidade, os humanistas viram coragem. Onde os desonestos viram terrorismo, os humanistas viram solidariedade. Onde os pobres de espírito viram uma tentativa de protagonismo, os humanistas viram altruísmo. Onde os cínicos viram simbolismo sem efeito prático, os humanistas viram levantamento popular. Onde os odiosos viram uma oportunidade para campanhas de difamação e enxovalho, os humanistas viram heroísmo. Onde os cúmplices viram ilegalidade, os humanistas viram o respeito pelo direito internacional. Onde os genocidas viram uma ameaça, os humanistas viram o lado certo da História.
A flotilha foi novamente intercetada e os seus ativistas sequestrados mais uma vez. Mas a cada flotilha que parte, o movimento de solidariedade pela Palestina tem engrossado, mais gente sai à rua, mais pressão é feita aos líderes do mundo dito democrático e mais óbvia fica a impunidade de Israel. A grande vitória da flotilha, mesmo que não se tenha quebrado ainda o cerco humanitário a Gaza, é criar um cerco de pressão popular internacional em torno de Israel. É criar pressão política a partir da base, da sociedade civil, para que os líderes mundiais deixem de ser coniventes com o genocídio em curso. Outro mérito da flotilha foi fazer tanta gente posicionar-se. Foi duro ouvir tanta barbaridade dos patrocinados de Israel nos média, vociferando em horário nobre, como foi absurdo ver figuras de Estado a difamar ativistas levianamente, e dilacerante ver milhares de pessoas a assinar uma petição contra o repatriamento de Mariana Mortágua. Mas foi útil o posicionamento, porque este é um daqueles momentos divisores de águas que ficará na História (e não poucas vezes são pequenos eventos os mais transformadores) e, assim, fica registado na memória coletiva quem ficou do lado dos genocidas.
Quando estudei a Revolução Francesa, na escola, lembro-me de pensar muitas vezes que no seu lema a liberdade e a igualdade me pareciam valores mais importantes do que a fraternidade, e intrigava-me que estivessem postos ao mesmo nível. Ora, nestes tempos sombrios, em que o cinismo venceu a empatia e a toada do comentariado (político e em redes sociais) é de uma frieza e hostilidade que roçam a desumanidade, ao desumanizar o outro permanentemente, fiquei esclarecida: sem fraternidade é impossível existir a igualdade e cai por terra qualquer luta pela liberdade. A flotilha é o resgate da empatia que nos torna humanos, da solidariedade que nos salva no salvamento da nossa Humanidade, da fraternidade que nos põe a todos no mesmo barco. E nestes dias de angústia, preocupada com a Mariana, a Sofia, o Miguel, o Diogo, e os restantes ativistas, esclareci ainda mais duas coisas.
Uma: a extrema-direita pode gabar-se dos milhares de assinaturas dos seus Bots, porque pseudoativismo de sofá é fácil para quem tem um rebanho de cínicos, que vivem dentro de um ecrã, hipnotizados pelo ódio e que desprezam quem tem a coragem, a empatia, a humanidade e a firmeza de carácter que nunca terão. Podem gabar-se à vontade, porque os humanistas vão para a rua aos milhares, enquanto essa gente de baixas paixões, invejosa na sua mediocridade e refém da desinformação dos populistas, não se mobiliza nem para encher a Betesga, quanto mais o Rossio!
Duas: diante do heroísmo de seres humanos com H grande, estará sempre a pequenez dos homens com H de hiena (que a História ignorará ou arrumará devidamente).