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Sermos portugueses implica perguntarmo-nos se isto é um país. Não somos surreais como a ditadura venezuelana, que decretou antecipar o Natal para 1 de Outubro, diz Maduro “como forma de vos homenagear a todos, e em agradecimento a todos”. Nem somos como o cão de apoio psicológico aos atletas olímpicos, que foi hospitalizado, assumo eu, devido um esgotamento nervoso.
Mas acontecem-nos tragicomédias suficientes para desconfiarmos. Seremos realmente um país? As perspectivas divergem.
Na perspectiva dos muros, isto não é um país. No resto do Mundo, os muros são altos para separar e deter. Aqui, são baixos para trepar e fugir.
Na perspectiva dos escadotes, isto é um país. Temos os melhores escadotes, que servem para subir muros baixos e de seguida descê-los com impunidade. Aos nossos escadotes não falha um degrau, nem um prisioneiro.
Na perspectiva das vedações electrificadas, isto não é um país. As nossas vedações são de uma teimosia histórica, parecem jumentos. A vedação em causa foi construída nos anos sessenta e nunca aceitou que lhe chegassem a corrente; nunca se electrizou por ninguém, está há décadas fria e desapaixonada.
Na perspectiva dos alicates, isto é um país. Brilhantes como um anúncio da Colgate, os nossos alicates sorriem a qualquer vedação, nenhuma os intimida.
Na perspectiva dos lençóis, isto é um país. Em nenhum outro sítio se executaria com tanta facilidade, lençóis abaixo, um clássico das fugas prisionais.
Na perspectiva das torres de vigilância e das grades, isto não é um país. É antes uma coisa decorativa que ficou assim por incúria.
Na perspectiva da “capacidade financeira”, isto é definitivamente um país. O director da PJ disse que a fuga se tratou de “crime organizado com capacidade financeira”. Que é crime e alguém o organizou, não duvido. Quanto ao resto, fiz as contas. Dois escadotes MacAllister: 538€; corta-cavilhas Dexter: 43,99€; gasolina para os dois carros de apoio: máximo 160€; luvas e gorros: estimativa de 70€ pelo conjunto. Se dividirmos o total pelos cinco criminosos - irmãmente, assumindo que sejam pessoas de bem -, dá 162,39€ por cada.
E isto é que é maravilhoso. Não só as fugas são “planeadas ao pormenor” com pouquíssimos pormenores para planear, como, por 162,39€, a liberdade está a preço de saldo. Somos de facto um grande país, seja qual for a perspectiva.
O autor escreve Segundo a antiga ortografia