O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu esta semana uma acção intentada contra a Ordem dos Advogados por sete licenciados em Direito que pretendiam inscrever-se no estágio sem efectuarem o respectivo exame nacional de acesso.
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Todos eles obtiveram as licenciaturas após o Processo de Bolonha, ou seja, com menos de cinco anos de frequência universitária. A pretensão desses licenciados foi levada a tribunal sob a forma de uma intimação para a protecção de Direitos liberdades e garantias e tinha como objectivo obrigar a OA a admitir a sua inscrição directa no próximo curso de estágio. Curiosamente, a forma processual escolhida foi a mesma utilizada há cerca de meio ano por duas outras licenciadas em Direito, a quem o mesmo tribunal de círculo (embora em outra secção) dera provimento.
Na decisão proferida esta semana, o tribunal absolveu (da instância) a OA por, entre outras razões, entender que «(…) das posições assumidas pelas partes na presente acção não resulta evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal» pelos autores.
Existem, assim, até ao momento, duas decisões judiciais sobre esta matéria: uma desfavorável à OA e outra favorável, sendo certo que ambas ainda não transitaram em julgado e que a questão de fundo ainda está longe de uma apreciação definitiva. No entanto, esta decisão judicial é de saudar pelo seu acerto jurídico e pela ponderação que revela em relação aos vários interesses atendíveis. Desde logo, porque o exame de acesso ao estágio é uma medida que cabe dentro dos poderes de regulação da OA e é essencial para a defesa da função social da advocacia. Com efeito, os cursos de Direito não têm hoje a mesma qualidade que tinham antes do chamado Processo de Bolonha, que reduziu a sua duração de cinco para quatro ou mesmo para três anos.
A OA tem o direito e, sobretudo, o dever de verificar quais os licenciados que estão preparados para exercer a profissão de advogado, como, aliás, faz o próprio Estado em relação a outras profissões forenses, tais como os juízes e os procuradores. Na verdade, a primeira coisa que o Estado fez, logo após ter instituído o Processo de Bolonha, foi impedir que os novos licenciados entrassem para as profissões forenses do próprio Estado. Os novos licenciados em Direito nem sequer com um exame podem entrar no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), entidade que forma os magistrados. Ou seja, o Estado diz claramente que os novos licenciados, não estão juridicamente preparados para serem procuradores ou juízes e que essa impreparação científica nem sequer pode ser suprida pela formação específica ministrada pelo CEJ. Porém, algumas luminárias, pretendem que possam entrar directamente na OA sem sequer fazerem um exame.
O Estado delegou na OA a regulação da advocacia, dado o relevante interesse público desta profissão, nomeadamente o que decorre do exercício do patrocínio forense, que a Constituição classifica como essencial à administração da justiça. Esta competência reguladora não incide apenas sobre a actividade profissional dos advogados, mas abrange também - e sobretudo - no acesso à profissão. É aqui que mais se impõe a regulação da advocacia, a fim de impedir a erosão da sua qualidade jurídica.
A perspectiva darwiniana de uma selecção natural dos melhores profissionais a efectuar pelo mercado é profundamente errada e teria custos elevadíssimos nas profissões de grande interesse público. Alguém admite que se deixe ao mercado a função de afastar os maus médicos? Alguém aceita que se possa deixar ao mercado a função de afastar os advogados que não possuam os conhecimentos jurídicos suficientes para exercerem o patrocínio forense? Já se imaginou a dimensão dos danos provocados por esses maus profissionais, antes de o mercado exercer a sua pretensa regulação natural?
Sublinhe-se que o próprio Estado impõe limites no acesso a profissões privadas liberais que ele regula directamente. Por que é que a profissão de taxista não está totalmente liberalizada em Portugal? Por que é que não pode ser taxista quem queira, desde que esteja habilitado para tal com um automóvel adequado e a respectiva carta de condução? A razão é simples: isso conduziria à massificação dessa profissão e, consequentemente, à degradação ou aniquilação do interesse público inerente a esse meio de transporte privado. Qualquer pessoa de bom senso percebe isso. Mas, infelizmente, o bom senso é coisa que escasseia nos titulares de certos órgãos do Estado.